Feeds:
Posts
Comentários

Posts Tagged ‘critica literária’

nelsonNão é raro alguém enxergar um escritor de fantasia como um sonhador, que tende a ver implicações metafísicas em todos os cantos. Claro que muitos autores justificam esse estereótipo, mas não é o caso de Nelson Magrini. Engenheiro Mecânico, estudioso e pesquisador em Física, com ênfase em Mecânica Quântica e Cosmologia, professor e consultor de Gestão Empresarial e Logística, exerce carreira profissional no Brasil e nos países do Mercosul. Responsável por projetos de inclusão e cidadania, agente literário, revisor, copidesque e autor de livros como Anjo a face do mal, Ceifadores – Anjo a face do mal II, e Relâmpagos de Sangue, além de participante de coletâneas de contos, é um escritor estabelecido no seu segmento. Escreve (preferencialmente) fantasia, mas, na entrevista que concedeu ao Canto dos Livros, mostra pés solidamente calcados ao chão e uma lógica que nada tem de fantasiosa. 

Canto dos Livros: Você buscou na escrita uma alternativa às consultorias que prestava como engenheiro. Dez anos depois dessa mudança profissional, é possível dizer que a estratégia compensou? Por quais motivos?

Nelson Magrini: Antes de tudo, meu agradecimento a toda equipe do Canto dos Livros por esta oportunidade. Em relação à questão, é necessário entender que essa alternativa sempre foi vista em longo prazo. Assim, treze anos depois que decidi me tornar escritor e nove anos depois de ter publicado meu primeiro livro, Anjo – a face do mal, a estratégia funcionou no sentido de ser um escritor relativamente conhecido, de fazer parte da história da literatura fantástica nacional e, mesmo, de ser um dos expoentes da fase, digamos, contemporânea ou atual, de ter contribuído para esse novo início e desenvolvimento. Contudo, em se tratando de ser um “autor de sucesso”, creio que falta me tornar ainda mais conhecido, abrangendo, desta feita, o grande público e, é claro, ser financeiramente recompensador. Apesar de todas as batalhas, lutas e triunfos dos mais diversos, o sonho de viver exclusivamente de escrever livros ainda permanece por alcançar. Mas seguramente não foi abandonado.

CL: O raciocínio lógico da engenharia influencia na escrita dos livros? 

NM: Tenho certeza que sim, muito embora possa passar despercebido para mim. Penso que até como se manifesta minha criatividade é de uma maneira lógica, embora tudo comece com um insight, normalmente uma imagem ou cena. E apesar de não gostar de traçar linhas gerais e deixar a imaginação correr solta, ainda assim vejo uma estruturação lógica por detrás de meus projetos.

CL: Você é estudioso e pesquisador em Mecânica Quântica e Cosmologia. Há um movimento que utiliza a mecânica quântica e algumas de suas particularidades para iluminar questões metafísicas, como na obra do indiano Amit Goswami e outros, que puderam ser vistos no filme Quem somos nós?. Já o americano Brian Greene enfatiza mais o estudo da mecânica quântica para aplicação em teorias científicas. Para qual lado pende os seus estudos?

NM: Eu pendo totalmente para o único lado verdadeiro da Mecânica Quântica (MQ), ou seja, o lado de Brian Greene. De fato, até existe possibilidades de se utilizar a MQ para clarear ou nortear certas questões metafísicas, mas estas se encontram no domínio da Filosofia, tipo a natureza da realidade, onde se discute muito o Realismo, o que ele significa, se é possível mantê-lo como visão de mundo, etc. Contudo, sou bastante enfático e contrário ao que Goswami e outros fazem, onde a MQ é chamada a suportar qualquer tipo de crendice sem nenhum fundamento científico. Aliás, a MQ jamais deu qualquer validade a questões espirituais e similares, embora um número bem grande de pessoas pareça necessitar que algo assim ocorra, como sustentando seus pensamentos e fé. Nesse sentido, Goswami e outros são apenas pessoas que escrevem tendo como alvo um público bastante específico, onde o intuito do lucro fácil é mais que claro. Perceba que, apesar da propaganda que os meios interessados fazem, Goswani, por exemplo, apesar de ser um físico, nunca publicou um trabalho sequer em Física de verdade e que fosse pioneiro. Apesar do marketing de que ele “calou os críticos por meio de várias publicações técnicas a respeito de suas teorias”, a pergunta é: quais publicações técnicas? Chamar seus livros de publicações técnicas é uma piada! Goswami sequer responde ao simples desafio de mostrar nas equações da MQ quais termos representam aquilo que ele afirma. Por que não o faz? Porque simplesmente os termos não representam nada do que ele prega, simples assim.

Vale lembrar que livros desse tipo, ou filmes como Quem somos nós?, são conhecidos no meio científico como charlatanices, e é uma pena que poucos físicos sérios tenham tempo para expor e denunciar esse tipo de divulgação.

CL: Como você enxerga a receptividade dos jovens para as narrativas fantásticas hoje em dia, quando a aridez do mundo adulto parece contagiá-los de forma tão prematura?

NM: Penso que a receptividade ocorra exatamente pelo fato do mundo adulto ser tão árido. Apesar do contágio prematuro, cada vez mais enfático, existe no jovem (e não só) aquela vontade de poder desligar do mundo real, mesmo que por algum tempo, onde a imaginação volta a correr solta. Possivelmente, em uma sociedade cada vez mais dura, a fuga momentânea venha a ser vista como mais um modo das pessoas combaterem o stress. Talvez, em um futuro não muito distante, pessoas com tal perfil sejam vistas como portadores de uma habilidade valiosa. Algo assim não me espantaria.

CL: É correto afirmar que sua obra é segmentada ao nicho de fantasia?

NM: De modo geral, sim, embora o termo mais abrangente seja literatura fantástica. Eu escrevo, basicamente, tramas de mistério, suspense e terror, sempre incorporando um ou mais elementos fantásticos. Contudo, embora notadamente uma literatura de entretenimento, sempre que possível e dentro do contexto, ou seja, pertinente à trama, gosto de fazer meus leitores pensarem, questionarem, e tal pode se dar em relação a temas bem mais realistas. Mas no fundo, como sempre digo, minhas histórias são para divertir, para que os leitores passem umas boas horas vivenciando o mistério e o suspense, e, se possível, que pulem de susto!

CL: O livro Anjo – a face do mal tem personagens pertencentes a diversas mitologias, inclusive do panteão afro-brasileiro. Há alguma intenção ou mensagem na utilização deles?

NM: Não necessariamente uma mensagem, mas a intenção foi exatamente utilizar uma mitologia extremamente rica e, por que não dizer, famosa no Brasil, e que nunca foi, ou é muito pouco explorada em livros de aventura e entretenimento. O mais interessante é que, ao se pesquisar ou estudar a respeito desse panteão, deparamo-nos com personagens (entidades) com personalidade própria e que podem ser muito explorados. Curiosamente, recebi alguns comentários negativos em relação ao uso desses personagens, comentários que transpareciam certo preconceito, como se fosse normal se falar em anjos ou mesmo demônios, mas que não era de bom tom tratar de “entidades” usadas em macumba! Mas foram muito poucos, e penso que a maioria dos leitores gostou da maneira como edifiquei tais personagens.

CL: O deus retratado na obra lembra muito o demiurgo de que fala a gnose e presente em alguns dos evangelhos apócrifos. Quais leituras fez antes de começar a escrever?

NM: Curiosamente, em relação a deus, nenhuma. Mesmo em relação a Lúcifer, um personagem marcante da obra, não fiz nenhuma pesquisa específica, muito embora, ao longo de anos, já havia lido muito a respeito, e até mesmo participado de um grupo de estudo sobre o assunto, De qualquer modo, antes mesmo de iniciar o projeto, eu já tinha muito bem definido as características de tais personagens, e se tais características são similares às apresentadas em determinadas doutrinas ou linhas de pensamento, isso se deve a mera coincidência.

CL: Ainda sobre Anjo – a face do mal, o protagonista da obra, Lúcifer, é apresentado de forma bastante original e guarda poucas semelhanças com a mitologia cristã. Dois autores consagrados fizeram o mesmo com o personagem: Neil Gaiman, em Sandman, e Saramago em, O Evangelho segundo Jesus Cristo. Eles o influenciaram? Quais autores o inspiram?

NM: Em se tratando de Lúcifer, eu já conhecia e admirava o personagem de Gaiman, mas não tive contato com o de Saramago. Independente disso, eu já tinha a minha visão muito bem estruturada e já sabia o que queria de meu personagem, então não penso que tive qualquer influência literária mais direta.

Já em relação a autores que me inspiram, são muitos, desde Isaac Asimov e Arthur Clark, quando lia muita ficção-científica, até mais contundentemente Stephen King e Dean Kootz, mestres do terror moderno, terreno que mais gosto de trabalhar. Mas vale lembrar que esses são apenas alguns nomes. Eu devorei tantos livros durante minha vida inteira que seguramente muitos me influenciaram, mesmo que não me recorde dos nomes hoje em dia.

CL: Como seu trabalho conta com influências de narrativas mitológicas, você chega a se inspirar na estrutura da Jornada do Herói, conceituada por Joseph Campbell e, mais adiante, remodelada por Christopher Vogler?

NM: Pode até ser que em parte sim, mas é totalmente inconsciente, ou seja, não é algo intencional. Penso que muito da Jornada do Herói já se instaurou na mente de qualquer leitor voraz, exatamente por devorar milhares de tramas onde tal característica é destacada, e seguramente, isso resgata à mente quando se compõe uma história. Mas nunca me preocupei com tal questão a ponto de estudar a respeito e aplicá-la de maneira consciente e proposital em meus textos.

CL: Que tipo de retorno tem obtido dos fãs e da crítica com respeito a seu trabalho?

NM: Os fãs, de modo geral, me trazem uma resposta muito gratificante. Críticas ou comentários negativos são bastante raros, tendo a esmagadora maioria dos leitores gostado muito de meus livros. Em relação à crítica, seja em blogs ou veículos mais especializados, também sempre foram muito positivas, o que me mostra que estou no caminho certo.

CL: Como você observa a relação entre a literatura fantástica e a crítica literária?

NM: Se considerarmos como crítica literária a chamada crítica especializada ou profissional, a relação não é nada boa, com raras exceções, principalmente se nos restringirmos aos autores nacionais. Aliás, em relação à esmagadora maioria desses últimos, nem dá para falar que os críticos falam mal; eles simplesmente os ignoram. Até entendo que ainda existe muitos autores amadores nesse segmento, mas também tem muita gente boa que já está presente há anos, têm presença no meio, inúmeros fãs e, ainda assim, é praticamente nula a atenção da crítica.

CL: O cenário de literatura de fantasia no Brasil está consolidado?

NM: Sem dúvida. É um nicho que não para de crescer em termos de leitores, bem como, onde a todo mês surgem novos nomes. Obviamente, ele necessita uma maior estruturação e atenção por partes das editoras, principalmente as chamadas grandes, com destacada penetração no mercado.

CL: Qual influência autores estrangeiros, como Anne Rice e Stephanie Meyer, exercem sobre o mercado nacional?

NM: Autores estrangeiros de sucesso seguramente influenciaram e influenciam toda uma geração, ainda mais com o aporte de marketing com que tais títulos chegam ao país. Antes mesmo de ser consumido pelos leitores, estes já são despertados para o novo Big 1 que está chegando. Uma vez que, na sua esmagadora maioria, os novos (assim como os velhos) escritores são leitores vorazes e compulsivos, é óbvio que estes terão uma influência muito grande, não só das duas escritoras citadas, mas de vários outros. Como qualquer influência, se o novo escritor não souber dosar e procurar seu próprio estilo e caminho, ela poderá vir a ser muito negativa.

CL: Indo um pouco além, na sua opinião, qual papel a fantasia tem hoje no mundo?

NM: Penso que o mesmo que sempre teve: divertir as pessoas e levá-las a um mundo de faz de conta por um tempo. Talvez, o que se vê hoje em dia seja uma maior e mais rápida disseminação de determinados universos de fantasia, que acabam virando moda, com milhares de seguidores. Nesse sentido, pode-se ter a impressão de que a fantasia tem uma maior influência na moldagem do mundo e, mesmo, de certos convívios sociais, mas creio que a maioria que curte tais aventuras saiba diferenciar entre a realidade e o imaginário. Existem extremos? Sem dúvida, mas não creio que sejam percentualmente representativos.

Como já comentei, vivenciar por um período a literatura de fantasia pode vir a ser encarada, em um futuro não tão distante, como uma forma de se combater o stress de uma sociedade cada vez mais competitiva e exigente. Por fim, vale lembrar que a indústria de entretenimento fatura bilhões de dólares por ano. Seguramente, isso diz alguma coisa sobre a natureza humana.

CL: Em entrevista ao blog Fontes da ficção você fala dos problemas que acontecem em diversos setores da cadeia editorial. Como autor, qual a melhor maneira de ajudar a solucionar esses ou parte desses problemas e alavancar as vendas de um livro?

NM: Taí uma muito boa pergunta , mas de difícil resposta. O Brasil não é diferente de outros países onde, uma editora, assim como qualquer empresa, visa e necessita obter lucro para prosperar e se manter no mercado. Contudo, aqui falta uma função que lá fora é executada em larga escala, seja através de agentes literários (refiro-me a profissionais sérios e capacitados, aquele que investe no talento, uma figura que faz extrema falta por aqui) ou dos próprios editores. No geral, o editor nacional ou não aposta no escritor brasileiro ou aposta pouco. E pior, se contenta com pouco. Se um autor vende 3 mil, 5 mil cópias de um título, e esse é seu montante constante a cada novo lançamento, está ótimo (não me refiro a autores que já se consagraram e conseguem, com o passar do tempo, vender bem acima desses números). Eles investem um tanto nesse nome e obtém um certo retorno. Vale dizer que 3 ou 5 mil exemplares de um título está extremamente acima do que a maioria vende em um lançamento, cujas tiragens variam de mil a 3 mil exemplares para editoras que não trabalham sob demanda.

Contudo, falta aquele que verá um autor com uma venda pobre, mas que vê o talento que ele possui, ou seja, que enxerga que, se (bem) trabalhando, ele venderá 10, 15, 20, 50 mil exemplares ou mais. Porém, para isso, além de se ler a obra desse autor promissor, tem-se que investir, e aí a coisa complica. O que falta aqui é esse apostador no talento, que esteja disposto, como em qualquer tipo de negócio, diga-se de passagem, a colocar dinheiro para ganhar muito mais. Um autor bom vende bem; torne-o muito mais conhecido que ele venderá muito mais. Basta um conhecimento básico de marketing para saber que essa relação não é linear. Se fosse, o mundo jamais seria o que é hoje e jamais se investiriam bilhões nesse campo.

Como eu disse, é uma pergunta bastante complexa de se responder e o descrito acima é apenas um ponto. Seguramente, existem muitos outros.

CL: Na entrevista acima citada você também diz não possuir nenhuma influência literária nacional. Continua não tendo? Por quê?

NM: Basta ver as influências que citei acima. Eu lia todos eles na minha adolescência e nos anos seguintes. Naquela época, dentro do segmento que eu adorava, ficção-científica e, depois, terror, inexistiam autores nacionais ou eram desconhecidos. Lembro-me de ter lido um ou dois contos do André Carneiro, mas nem me recordo onde. Se hoje, o autor nacional de literatura fantástica tem como divulgar seu trabalho na Internet e ficar mais conhecido do público, naquela época era praticamente impossível. Pelo menos, eu nunca ouvi falar de nomes que publicavam nessa linha. Pensando bem, imagino que tenha até lido autores brasileiros nesse segmento, mas eles (ou as editoras) publicavam com pseudônimos estrangeiros.

Então, nesse cenário, nunca me identifiquei com algum nome que viria a acompanhar, como Stephen King, por exemplo, e que seguramente iria me influenciar. E, de fato, continuo não tendo, talvez porque agora sejamos todos contemporâneos. Isso não significa que não possa aparecer algum autor nacional e que venha a exercer influência em minhas obras futuras, mas por enquanto não existe.

CL: O que é um livro de sucesso?

NM: Um livro de sucesso é aquele que apresenta uma trama instigante, daquelas que prende o leitor da primeira à última página, que o faz pensar em determinados momentos da história, que o faz sentir saudades dos personagens e lamentar o término do livro. Também precisa ser bem escrito, com um português, no mínimo, elegante, variado. Um livro de sucesso tem tudo isso, mas isso tudo, por si só, não garante sucesso algum. Ele também tem de ser bem trabalhado pela editora, o autor ser promovido, seja por esforço próprio, como pela editora, em um esquema que gere real penetração no mundo dos leitores, tornando o título conhecido, bem como seu autor. Vale lembrar que um trabalho bem feito faz a editora ser reconhecida, o que leva leitores a observar com mais cuidado os títulos de seu catálogo.

Em se conseguindo isso, o retorno é garantido.

Read Full Post »

ciclo de crítica

Confira aqui a entrevista que realizamos com Ricardo Lísias.

E aqui e aqui as resenhas de O céu dos suicidas.

Read Full Post »

Recentemente, uma polêmica assolou o mercado nacional de literatura: o embate entre a edição da Granta com os 20 melhores escritores brasileiros da atualidade e o livro Geração Subzero (resenhado aqui pelo Fred Linardi), que traz outros 20 escritores que vendem bem, mas são quase que ignorados pela crítica. Nas discussões – que passavam por temas como “público x crítica” e a impossibilidade de se escolher duas dezenas de representantes de uma literatura tão ampla como a brasileira – , muito foi falado e nada concluído. Contudo, para contribuirmos de alguma forma com este importante debate, conversamos Felipe Pena, organizador de Geração Subzero (além de jornalista e Doutor em Letras pela Puc-Rio, professor universitário e autor de 13 livros, que se dividem entre teóricos e ficcionais).

Canto dos Livros: Na sua opinião, o que é um livro bem sucedido?

Felipe Pena: É um livro que provoque o leitor, que o faça pensar e, acima de tudo, que o faça virar a página, sem conseguir largá-lo. Quando escrevi meu primeiro romance, Fábrica de diplomas, estas foram minhas preocupações. E elas continuaram nos livros seguintes. O melhor elogio que posso receber é quando um leitor diz que ficou grudado na história. Não há nada melhor.

CL: O que é a crítica literária para você? O que pensa e qual a importância que dá a ela?

FP: Com raras e boas exceções, não acho que tenhamos uma crítica literária de verdade no Brasil. Há, no máximo, resenhistas pautados por alguns grupos de influência. E esses grupos determinaram que só têm valor os escritores cuja prosa se aproxima da elipse, da referência intelectualizada, da erudição construída, do beneplácito da academia, da receita caseira que apregoa que a literatura é para poucos. E os poucos são eles próprios. Essa é uma visão tipicamente elitista. E afasta os leitores.

CL: Como fazer o balanço entre o que o público gosta e o que a crítica fala?

FP: Para fazer este balanço, é preciso perceber como o público é informado pela mídia (influenciada pela crítica) sobre todos os gêneros da literatura. Os festivais literários, as premiações, a crítica universitária e uma parte da imprensa dão a impressão de que só a literatura hermética tem valor. E isso não é verdadeiro. A escrita simples é a laboriosa tradução da complexidade. Escrever fácil é muito difícil. O problema é que o ambiente já está contaminado. Você acha que o júri do Jabuti vai premiar um autor da Geração Subzero? Ou que o curador da FLIP vai formar uma mesa na tenda principal com escritores populares? Nunca. No dia que isso acontecer, eu desfilo de cueca pelas calçadas de pedra em Paraty.

Aliás, isso não seria incoerente, já que a FLIP é a Fashion Week dos escritores. E não estou fazendo uma crítica, que fique bem claro. Eu frequento o festival desde a sua primeira edição. Ele é o mais importante do país, o que atrai mais atenção, o que legitima a produção nacional. Deveria olhar com mais atenção para os autores que formam leitores.

CL: Como você tem visto o retorno da crítica sobre o Geração Subzero? Será que a partir de agora esses autores (e outros também ignorados pelos críticos) serão lembrados?

FP: Seria uma incoerência se um livro com autores congelados pela crítica fosse elogiado por essa mesma crítica. Nós perderíamos toda a credibilidade. Por isso, tratamos a crítica com ironia. Mas isso não é novo pra mim.

A opção pela ironia sempre esteve presente nos meus romances. Minhas histórias ironizam a cultura erudita, o mundo acadêmico e a comunidade literária, que são as próprias áreas por onde eu circulo. Em Fábrica de Diplomas, por exemplo, que é um thriller de suspense numa universidade, o personagem principal é um analfabeto e o vilão é um doutor. Já em O marido perfeito mora ao lado, brinco com os rótulos da psicanálise para contar uma história de amor. É uma opção estética, consciente. Acredito que a ironia seja o melhor instrumento para desarmar a prepotência do mundo literário e do mundo acadêmico. E foi o que fiz com o Geração Subzero, que é uma ironia com a coletânea Geração 00, do Nelson de Oliveira, que teve a pretensão de apresentar os melhores autores brasileiros surgidos nos anos 2000. Uma pretensão absurda. Obviamente, a ironia serviu para provocar essa suposta crítica intelectualizada.

CL: Sobre o “Manifesto Silvestre”, que defende principalmente a possibilidade da literatura como entretenimento, você afirma no Geração Subzero que muitos autores concordam com essas ideias, mas confessam para você que nunca teriam coragem de defendê-las em público. Você tem pago um preço por dar sua cara a tapa?

FP: Não me importo de assumir esse preço. O importante é que o assunto entrou em pauta e beneficiou muitos autores que estavam esquecidos. Não há produção artística sem risco. Não podemos é ficar imobilizados pelas asas do cânone estabelecido. Eu transito nas duas margens: escrevo ficção e estou na academia (sou professor da UFF e fiz o doutorado em literatura). Então, as reações vêm dos dois lados. Mas não estou aqui para agradar ninguém. Falo o que penso, é natural que haja reações. Minha primeira e única obrigação é com a lealdade de pensamento. Portanto, o risco é minha única opção.

CL: Durante a seleção deste conteúdo, você afirma que o gosto do público foi soberano até sobre seu poder como organizador. Afinal, o público é o melhor juiz para a arte?

FP: Não estou preocupado com juízes, estou preocupado com a formação de leitores. O Geração Subzero é destinado a um público que se preocupa apenas com o prazer da leitura, com a relação afetiva com o livro, com as reflexões que uma história bem contada pode provocar e com a socialização dessas histórias e dessas reflexões. Sim, a socialização, pois aquele que tem prazer na leitura sempre recomenda o livro ao amigo mais próximo.

CL: O quanto você considera decisiva a educação formal, a chamada por você de “não ignorância erudita”, na formação de alguém?

FP: A educação formal é excelente se você souber relativizá-la. Eu fiz o doutorado em literatura para aprender como não escrever. Nas aulas, só se falavam em teorias e em autores chatos e herméticos. Não queira ser um deles. Então resolvi ser um ignorante por conta própria.

CL: Qual a contribuição que uma formação em psicologia dá a um jornalista? E a um escritor de ficção?

FP: A formação em psicologia me ajuda a compor os personagens, dá substância aos dilemas que eles vivem. Nosso principal desafio é tentar entender o outro.

CL: A psicologia influenciou sua maneira de lidar com a mente de personagens fictícios (tanto os seus quanto o de outros autores)? O que mudou e de que maneira?

FP: A psicologia me ajudou a entender o tempo. Tempo é expectativa, é o portão de ferro da angústia. Estamos aprisionados num passado que não volta e num futuro que é incerto. Isso torna mais difícil viver o presente. As leituras das obras de Freud, Lacan e Ferenczi me ajudaram a encarar a angústia.

CL: Uma vez você declarou sobre a ficção que escreve que “fatos se fundem para gerar uma história; ficção, mas também realidade” e parafraseou Manoel de Barros, dizendo que “Noventa por cento do que escrevo é invenção, só dez por cento é mentira”. Qual a importância relacionar fatos reais que são aparentemente desconexos entre si para formar uma história de sentido único, que explique um mecanismo muito maior, onde o importante é o todo e não a parte?

FP: Eu sou um cronista sem jornal. E cronista sem jornal é erro de semântica. É dialética a prazo, sem juros, em dez vezes, nas Casas Bahia. É a perda da sintaxe, do sentido. É a gramática velha, a ortografia antiga, com trema e acento nos ditongos orais crescentes. Cronista sem jornal não tem direito ao último pedido, ao afago feminino, ao gozo embevecido. Cronista sem jornal não tem direito a voltar no tempo e pedir a leitora em casamento.

Então, como não tenho jornal, posso inventar a partir da realidade. E a ficção fala muito melhor sobre a realidade do que a própria realidade.

CL: Seu currículo mostra uma formação sólida e uma produção prolífica. A impressão comum sobre o meio acadêmico é que se trata de algo hermético, cujos integrantes não fazem especial questão de tornar acessíveis aos leigos suas pesquisas e descobertas. Este diagnóstico procede? Como incentivar a produção acadêmica num país de educação claudicante?

FP: A Academia é um inverno perene. São os doutores universitários (e me incluo na lista) que prejudicam a formação de um público leitor no país. A própria linguagem da academia é produzida como estratégia de poder. Quanto menos compreendidos, mais nossos brilhantes professores se eternizam em suas cátedras de mogno, sem o controle da sociedade. E isso se reflete na literatura, claro.

A exceção fica por conta de críticos como o José Castelo (que não é acadêmico) ou o Tzvetan Todorov, por exemplo, que é o maior herdeiro do formalismo russo e fez um mea culpa corajoso no livro A literatura em perigo. (Espero conhecer outros).

Acho que uma boa opção é incentivar os blogueiros literários. Eles escrevem com paixão, não estão presos a dogmas ou preconceitos. As editoras deveriam fazer concursos de resenhas entre os blogueiros. Há muita gente boa falando sobre literatura na internet.

CL: Três de seus romances são justamente ambientados no meio universitário, e formam a chamada “Trilogia do Campus”: desvendam alguns bastidores deste meio, bem como o jogo de interesses na disputa por um mercado milionário, que é o do ensino superior. Como foi o processo de criação dos livros? Uma vez tão entranhado neste meio, há um componente de expiação, ou de desabafo?

FP: Não há desabafo. Escrevo ficção, ponto. Mas se o que escrevo pode levar as pessoas a refletir sobre a realidade, melhor ainda. Muitos leitores de O marido perfeito mora ao lado me mandam e-mails pra dizer que o livro os ajudou no casamento ou no namoro. Não era essa a intenção, já que o título é uma brincadeira com os livros de autoajuda. Mas como cada capítulo é um conceito da psicanálise, explicado pelo personagem principal no interior do enredo, algumas pessoas acabaram aplicando-os na própria vida. Nada contra. O livro pertence ao leitor. É o nome dele que deveria vir na capa, não o meu.

Read Full Post »

Fonte: Itaú Cultural

A crítica literária atual se depara com um cenário novo e desafiador. Como lidar com as interações entre autor e exposição midiática intensa, produção literária e intercâmbio cultural, literatura e hibridismo artístico? Qual o sentido da crítica nos dias de hoje? De 7 (hoje!) a 9 de dezembro, o II Seminário Internacional de Crítica Literária explora essas questões, na sede do Itaú Cultural, em São Paulo.

Participam do evento intelectuais e críticos brasileiros e estrangeiros como Marjorie Perloff (Estados Unidos), Marisa Lajolo (Brasil), João Cezar de Castro Rocha (Brasil), David Toscana (México), Berthold Zilly (Alemanha), Luiz Costa Lima (Brasil) e Mario Perniola (Itália), além de outros escritores, teóricos, tradutores e filósofos, de várias nacionalidades e linhas de pensamento.

São 8 convidados internacionais e 11 nacionais. Os debates têm curadoria da escritora, professora e pesquisadora Maria Esther Maciel e da consultora e produtora cultural Selma Caetano. A mediação será realizada por 6 especialistas brasileiros.

A entrada é grátis e não é necessário fazer inscrição. Os ingressos são distribuídos meia hora antes de cada mesa. O Itaú Cultural fica na Avenida Paulista 149 (próximo à Estação Brigadeiro do Metrô).

Confira a programação:

Quarta 7

17h30 O Papel da Crítica no Jogo entre Realidade e Ficção
com David Toscana (México) e José Castello (Brasil)
A literatura não tem compromisso algum com a explicação, mas, sim, com a invenção. Os escritores já não se iludem: a literatura não é, e nunca foi, um espelho capaz de refletir, com nitidez e perfeição, o mundo real. Em que medida, no complexo, veloz e fragmentado século XXI, a literatura ainda pode – se é que um dia conseguiu fazer isso – dar conta da realidade?

20h A Crítica Biográfica e os Desafios da Ficção
com Italo Moriconi (Brasil), Leonor Arfuch (Argentina) e Marisa Lajolo (Brasil) | mediação Regina Zilberman
A valorização midiática da figura do escritor, aliada à profusão editorial de obras biográficas e autobiográficas, tem exigido da crítica contemporânea um reposicionamento diante das complexas relações entre vida e literatura, autor e obra, realidade e ficção. Que estratégias de abordagem têm sido usadas pela crítica no trato dessas questões? Até que ponto a vida de um autor serve como referência para a leitura de uma obra?

Quinta 8

15h A Tradução como Crítica
com Berthold Zilly (Alemanha), Márcio Seligmann-Silva (Brasil) e Paulo Henriques Britto (Brasil) | mediação Marcelo Tápia
Tradução, crítica e criação são práticas interligadas. O ato de traduzir implica um diálogo crítico-criativo com outras culturas e com a própria tradição literária, interferindo também, de forma incisiva, no próprio fluxo da produção literária do presente. Em que medida, nesse movimento, a tradução reinventa também seus próprios conceitos e mecanismos de leitura? O que define a força crítica do trabalho de tradução?

17h30 A Crítica de Poesia em Tempos Digitais
com André Vallias (Brasil), Eduardo Sterzi (Brasil) e Marjorie Perloff (Estados Unidos) | mediação Lourival Holanda
O advento de novos suportes digitais tem possibilitado o surgimento de expressões poéticas cada vez mais híbridas, mediadas por diferentes relações entre texto, imagem, interatividade e vários recursos multimídia. Como a crítica de poesia tem lidado com essas mudanças? Em que medida ela tem criado novos procedimentos e fundamentos de abordagem e reflexão para lidar com as linguagens poéticas do mundo digital?

20h A Crítica Literária como Intercâmbio Cultural
com Antonio Gonçalves Filho (Brasil), João Cezar de Castro Rocha (Brasil) e Martín Kohan (Argentina) | mediação Luiz Ruffato
A crítica quase sempre desempenhou o papel de avalizadora da produção literária e, assim, serviu como parâmetro principal do intercâmbio cultural entre os países. Em tempos de rápida circulação de informações, a crítica literária ainda tem espaço para desempenhar esse papel? Se não, quais são os novos mecanismos disponíveis e quais as consequências da substituição da crítica literária por eles?

Sexta 9

17h30 Crítica Literária Hoje: Impasses e Desafios
com Joan Ramon Resina (Estados Unidos), Josefina Ludmer (Argentina) e Luiz Costa Lima (Brasil) | mediação Sérgio Alcides
Os equívocos em torno da palavra crítica: se não é um gênero literário, o que pode ser? O crítico é um “juiz da arte”, um mediador que facilita o acesso do público ou alguém que exerce uma reflexão sistemática sobre a obra literária? Qual é a validade da crítica hoje? Quais são seus grandes desafios e impasses?

20h Crítica e Interdisciplinaridade
com Aurora Bernardini (Brasil) e Mario Perniola (Itália) | mediação Ivan Marques
O entrecruzamento de diversos saberes e campos disciplinares tornou-se uma das linhas de força do cenário crítico contemporâneo. Como a crítica literária tem lidado com essa flexibilização de fronteiras, abrindo-se ao diálogo e às interseções com outras formas de conhecimento, como a filosofia, os estudos culturais, a sociologia e a política? E até que ponto a prática da interdisciplinaridade tem redimensionado o papel da crítica literária hoje?

Read Full Post »

Mais uma revista online sobre Literatura. Dessa vez é uma iniciativa da Não Editora, que criou a publicação Cadernos de não-ficção. Os temas abordados são focados principalmente em critica literária e, apesar do nome, o que predomina é mesmo a ficção. Na primeira edição, há um grande – e muito bom – especial sobre David Foster Wallace, o escritor estadunidense que vem sendo um dos nomes mais comentados pelos críticos quando o assunto é literatura pós-moderna. Já na segunda edição, com um especial dedicado à poesia contemporânea, destaco um ensaio sobre oficinas literárias.

A revista era para ser quadrimestral, contudo a terceira edição está atrasada. Mas a publicação não morreu não, a promessa é que tenhamos a nova edição até junho. Enquanto isso, dêem uma olhada nas outras duas edições, vale a pena conhecer. O link está aqui.

Read Full Post »