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Posts Tagged ‘Jabuti’

Por João Dutra

reproduçãoEm entrevista sobre o lançamento de seu novo livro, o escritor Bernardo Carvalho fez críticas ao uso banal da internet.

“[…] E há o narcisismo, a exposição no Facebook, que pega um ponto central. É perverso, a conquista vai em pontos frágeis da psique, você se sente uma celebridade. Do ponto de vista político, você acha que está usando, mas está sendo usado. O livro expressa esse desconforto.”

O tema da comunicação digital faz parte da narrativa de sua nova obra, Reprodução. O personagem central da história é um rapaz chinês que tem como característica marcante a rotina de comentários ofensivos, preconceituosos e anônimos em blogs da internet, além de uma sabedoria predominantemente gerada por artigos da Wikipédia.

Em sua crítica, o autor cita também o comportamento narcísico dos usuários de redes sociais. De fato, a vida editada, na qual só o lado positivo é exposto ao público tem sido motivo de debates e reflexões sob diversas óticas.

A despeito da mediação tecnológica, a questão da supressão de aspectos negativos da vida cotidiana não é novidade. Fernando Pessoa dá voz a Álvaro de Campos, que, em “Poema em Linha Reta”, de forma irônica critica a sociedade que exalta apenas as virtudes de seus membros e causa angústia a ele próprio, simples mortal, na infinidade de seus defeitos e limitações:

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; […]”

A angústia apontada pelo poeta se ajuda a explicar um elemento sobressalente da cultura da comunicação digital e, citada por Bernardo Carvalho: a limitação da compreensão da vida sob o ponto de vista do que é compartilhado na internet.

Nesse sentido, é essencial a reflexão sobre o papel da literatura como provedora clássica de críticas que ajudam a dar sentido à nossa existência. Tanto a obra do poeta português, quanto do escritor contemporâneo, atendem ao chamado de compreensão do cenário sócio-político da época em que vivem.

Como aponta o escritor Ricardo Azevedo, ganhador de cinco prêmios Jabuti, a literatura assume, como propósito, a responsabilidade por preencher a falta primordial de sentido do indivíduo. Em mesa da Flip de 2013, ele comenta:

“A literatura e a ficção são alguns dos inventos que o homem fez para tentar preencher as lacunas, as perguntas, as angústias, os vazios.”

Enquanto surgem novas formas de tecnologia e mediação da comunicação, potencializando aspectos perenes da condição humana, é essencial retomar a literatura como porto seguro para as angústias que vivemos em nossas jornadas pessoais.

Cada autor coloca em sua obra um pouco de si e da época em que vive. Em um momento da história em que o mercado parece ser o guia maior dos comportamentos das pessoas, inclusive na literatura, é nos livros clássicos e nas críticas à contemporaneidade que continuamos mantendo nossa postura crítica, por meio de autores capazes de questionar o senso-comum, nos fazendo refletir sobre nossa condição.

Isso, porém, não significa que devamos rejeitar as novidades advindas da evolução na comunicação. Blogs e redes sociais foram protagonistas de protestos e movimentos políticos recentes, no Brasil e no mundo. Ambos fazem parte do dia-a-dia de boa parte das pessoas, sobretudo nas grandes metrópoles.

O que é necessário é justamente avaliar com parcimônia o conteúdo e discernir aquilo que deve ou não ser aproveitado. Fernando Pessoa e Bernardo Carvalho nos alertam para a tendência da sociedade em editar a realidade à sua regalia e o quanto isso pode tornar banal a comunicação.

Neste ponto, é necessário o equilíbrio para se utilizar das ferramentas que indubitavelmente podem potencializar nosso conhecimento e nossa experiência cultural. Como alerta à falta de autenticidade da informação na internet, vale lembrar a frase atribuída ao general romano Pompeu, na obra de Plutarco (106-48 AC) e eternizada por Fernando Pessoa: “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Com essa expressão, o general chamava a atenção para o fato de que havia precisão no ato de navegar, visto que era guiada por matemática e outras ciências exatas. Na vida, isso não era possível.

À luz do que nos ensina o guerreiro dos tempos de Império, considerando a importância da internet como ferramenta que potencializa nosso poder de comunicação, mas nos expõe, com frequência, a conteúdo sem muito valor, sobretudo nas redes sociais, há de se crer que, na internet, navegar é preciso, Facebook não é preciso.

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Crédito: Fernanda Sucupira

Crédito: Fernanda Sucupira

Nesta altura do ano, já podemos afirmar que 2012 foi ótimo para Julián Fuks, muito por causa do sucesso – de crítica, veja bem – de seu mais recente livro, Procura do romance, um dos finalistas do importante prêmio Portugal Telecom. Além disso, no ano que finda nos próximos dias, Julián foi escolhido para integrar a Granta com os 20 melhores escritores brasileiros com menos de 40 anos, outro feito considerável. Paulistano filho de pais argentinos exilados no Brasil, o entrevistado deste mês do Canto dos Livros também já escreveu Histórias de literatura e cegueira e Fragmentos de Alberto, Ulisses, Carolina e eu.

Canto dos livros: Comecemos pelo óbvio, qual a importância de ser um dos escolhidos para a Granta dos melhores jovens escritores brasileiros? Isso já teve algum tipo de impacto real na sua carreira?

Julián Fuks: É evidente que foi um lançamento de grande impacto, recebido com ânimos exacerbados, provocando suas polêmicas justificáveis. Mesmo que a literatura não tenha sido o foco de boa parte das discussões, essa repercussão toda deixou claro que não se trata de uma atividade anódina, indiferente, relegada ao interesse de tão poucos. Há vitalidade na literatura brasileira, ao menos no que diz respeito ao funcionamento do mercado – o que, convenhamos, não é grande coisa. Pessoalmente, acho que acabou servindo para me apresentar a um público mais amplo, fazendo circular meu nome. Não chega a ser um fenômeno muito mensurável, mas veio num momento bom da minha vida, somando-se a outras ocorrências agradáveis.

CL: Continuando a falar da Granta, nela, além de muitos contos ambientados totalmente ou parcialmente fora do Brasil, dentre os autores escolhidos temos o Chico Mattoso, que nasceu na França, o Javier Contreras, que nasceu em Salvador mas é de família chilena – os pais vieram para o Brasil fugindo da ditadura –, a Carola Saavedra, que é chilena, o Miguel de Castillo, que é filho de um uruguaio, e você, que, como já dissemos, é filho de pais argentinos exilados no Brasil. O que podemos perceber com isso? Demonstra que a literatura brasileira está, culturalmente, cada vez mais diversa?

JF: A diversidade da literatura brasileira é um fato inquestionável; não poderia ser diferente dada a diversidade do próprio país. Mas não tenho certeza de que a Granta revelou isso: pelo contrário, parece predominar na seleção certa uniformidade de propostas, e talvez de fato haja nisso algo de triste. Mas você pergunta sobre a profusão de semi-hispânicos, e isso eu só posso responder apelando à minha própria experiência. Estou certo de que o exílio de meus pais, exílio que herdei deles e que se expressou sobretudo como um constante estranhamento idiomático, teve sua importância para que eu me tornasse escritor. Há algo de estimulante nesse expatriamento linguístico, e talvez isso explique em alguma medida a existência de outros escritores com biografias parecidas.

CL: De certa forma continuando a aproveitar o assunto Granta, o que acha do atual momento da literatura brasileira? Quais nomes e obras você destaca?

JF: Como disse, a vitalidade que hoje se vê parece muito mais editorial e mercadológica do que propriamente literária. Mas é claro que dessa pujança um tanto problemática acaba por se depreender também a qualidade, até como forma de resistência aos ditames do mercado. Há várias respostas possíveis e interessantes ao problema que aí se coloca. Gosto do rigor do Nuno Ramos, por exemplo, dos jogos lógicos do Alberto Mussa, da ousadia do Reinaldo Moraes, da novidade do Ricardo Lísias. Entre os menos conhecidos, aprecio muito o romance que o Tiago Novaes acaba de lançar, Documentário, que leva o fenômeno tão difundido da autoficção a limites inesperados. E poderia, é claro, estender essa lista por mais umas quantas frases. 

CL: Quais autores e obras lhe inspiram?

JF: Pergunta difícil, pois de nada valeria estender aqui uma lista de nomes notáveis. Os que me inspiram são os que propõem a literatura como uma forma de crítica, no sentido mais amplo e agudo da palavra. Crítica de um mundo desigual e injusto, um mundo que desfila tranquilamente suas confortáveis atrocidades. Mas também crítica do próprio pensamento e da própria linguagem, que se fazem instrumentos inócuos a serviço desse mesmo estado de coisas. 

CL: Em qual momento de sua vida se deu conta de que seria escritor? Seus primeiros textos – que considera dignos de nota – foram produzidos sob quais circunstâncias?

JF: Me concebi como escritor muito antes de escrever qualquer coisa que prestasse. Escrever parece exigir esse esforço de autoafirmação, esse compromisso com as palavras e com as páginas. Só muito depois de me decidir a isso, e já com a sensação de que me demorava, de que falhava, foi que escrevi meus primeiros contos – os que publiquei em meu primeiro livro. Há neles um pouco dessa desconfiança em relação ao próprio fazer literário, desconfiança que marca meu trabalho até hoje. Há neles certa noção de um fracasso inevitável. 

CL: Saramago, autor tardio, teria dito que, se pudesse aconselhar a alguém que pretendesse ser escritor, diria-lhe para ler por trinta anos, depois por mais trinta, para aí então escrever. Sob esta ótica, do alto de seus 31 anos, você seria um tanto precoce (rs). Você já enfrentou dúvidas se você ou seus textos estariam suficientemente maduros? Como olha para seus textos mais antigos? O que pensa deles?

JF: Não serei eu, decerto, o mais indicado para avaliar a maturidade dos meus textos. Sinto que todo escritor sofre de uma hipermetropia: pode enxergar bem a obra dos outros, à distância, mas a sua própria sempre aparece aos seus olhos imprecisa e turva. Com meus textos mais antigos tenho sérios problemas, não consigo lê-los sem uma crítica ferrenha, sem sofrer pela infeliz comparação entre o que fiz e o que poderia ter feito. Já com os textos que vou escrevendo, o entusiasmo e o envolvimento suspendem – nos dias bons – essas leituras mais corrosivas. 

CL: Até pelas suas origens, você demonstra um grande interesse pela Argentina e, por extensão, pela literatura argentina. É cada vez mais comum que as pessoas comparem a arte argentina com a brasileira. O que acha dessa comparação?

JF: Análises comparativas podem ser proveitosas, podem ressaltar aspectos despercebidos de cada produção artística. Desde que não se pautem em clichês e visões canhestras de cada cultura, desde que não se apeguem demais a ideias pré-concebidas, para que a comparação não se perca na platitude das rivalidades estúpidas.

CL: Ainda com relação à comparação entre a arte argentina e a brasileira, qual paralelo podemos traçar entre a literatura de cada um destes países? Na sua opinião, quais os pontos mais fortes de cada uma e quais as principais diferenças?

JF: Apesar da proximidade, são posições muito diferentes, perspectivas distintas, tradições quase divergentes em alguns aspectos. Há na literatura brasileira um histórico de engajamento político e de atenção ao social que pouco se vê na literatura argentina, mais marcada por uma produção intelectual e autorreflexiva. Claro que estou falando de predominâncias, que os autores não se resumem a isso e que tampouco as culturas se encerram nessa aparente dicotomia. Os escritores mais interessantes foram justamente os que transgrediram esses limites. 

CL: Em novembro você iria apresentar uma palestra sobre Jorge Luis Borges, mas ela foi cancelada porque a prefeitura cortou parte da verba destinada ao Centro Cultural São Paulo. Qual seria o conteúdo desta palestra? Qual faceta do escritor argentino e de sua obra que você iria abordar?

JF: A proposta era confrontar a poesia de Borges com seus próprios princípios, comentar seus poemas à luz de seus ensaios sobre poética. Havia algo de performático em Borges, na retórica de suas posições teóricas, em suas conferências finais sobre literatura. É interessante ver como ele transgride suas próprias propostas em benefício da própria obra, de sua expressividade. Nesse contraste veem-se romper os dogmatismos, as certezas indesejáveis.

CL: Procura do romance foi finalista do prêmio Portugal Telecom, um dos mais importantes que temos para literatura, e, de uma maneira geral, muito bem aceito pela crítica – até o Rodrigo Gurgel, o polêmico jurado C do Jabuti, disse o livro poderia render a você, com louvor, o troféu em forma de tartaruga. Como você vê essa recepção ao seu trabalho?

JF: Fico contente com as deferências e os elogios, óbvio, mas também vou aprendendo aos poucos que não devo levá-los muito a sério, que a literatura fica aquém e além desses processos. Esse foi para mim um ano agitado, cheio de acontecimentos. Escrever, nesse contexto, se tornou quase uma impossibilidade, e o que quero agora é recuperar as condições físicas e mentais necessárias para produzir algo que o valha. 

CL: Seguindo a pergunta acima, você leu os outros concorrentes ao Prêmio Portugal Telecom (K, de Bernardo Kucinski, Diário da queda, de Michel Laub, e A máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe, que foi o vencedor)? O que achou do resultado?

JF: Li os livros, e gostei de cada um deles por razões diversas. O resultado me pareceu justo, sim. Valter Hugo Mãe tem uma produção consistente, um domínio invejável de seus próprios recursos que faz dele um escritor prolífico e cuidadoso a um só tempo. E particularmente acertada me pareceu a menção honrosa a Kucinski. O livro dele é de uma importância imensurável, pela história verídica que encerra ou gostaria de encerrar, pelo alcance político e histórico do que se narra. 

CL: Pelo pouco que sabemos da sua biografia, muito de sua vida pessoal parece fazer parte de suas obras. Até que ponto – ou com qual intensidade – você faz o que vem sendo chamado de autoficção, ou seja, cria uma obra romanceando a sua própria vida, sua própria história?

JF: É difícil ter certeza se a autoficção é de fato um fenômeno novo, ou se assim se apresenta algo que já era feito por escritores inúmeros de todos os tempos. Em Procura do romance há muito da minha trajetória pessoal, sim, há muito das minhas indagações e preocupações reais, é em parte a minha vida que se destrincha ali. Mas não sei se seria muito diferente se eu me ocupasse de criar lapsos maiores entre mim e meu personagem, se eu exacerbasse o lado ficcional da narrativa e me disfarçasse o máximo que conseguisse. Retorno, sem querer retornar, à velha concepção de que o escritor só escreve sobre si, concepção questionável que precisa ser matizada, mas que tem o seu momento de verdade. 

CL: Há aqueles que dizem que a literatura de hoje seria mais descartável, menos densa, tanto pela “aceleração moderna” quanto pela profusão de obras, que soterraria o que poderia se destacar. Por outro lado, há os que entendem que ambos fatores seriam positivos, justamente por segmentarem mais a produção literária e incentivarem sua produção e consumo. Você concorda com algum destes vieses?

JF: Acho que, se há algo de destacável na literatura atual, é o abandono de certo rigor de preceitos que marcava as melhores narrativas ao longo do século XX, em prol de um desejo de soberania, de um anseio por voltar a contar histórias como antes se fazia. A literatura, que tanto parecia ter de se haver com seus próprios impasses e dilemas, agora quer se esquecer deles e se devolver ao mundo, tomada talvez por uma nostalgia de tempos mais profícuos. Resta saber se os tantos retornos que se criam não se dão na forma de um abandono crítico. Algo que lamentavelmente viria a lhe subtrair o peso, o impacto, o alcance possível. 

CL: O que você tem lido atualmente?

JF: Justamente, preocupado com essas questões e com a possibilidade de renovação e radicalismo no romance contemporâneo, resolvi escrever um artigo a respeito. Para isso me pus a ler as obras fatídicas daquele que talvez seja o último dos radicais, ou o último dos modernos: Samuel Beckett. Voltei à trilogia do pós-guerra, Molloy, Malone morre e O inominável, e quero ver como vou sair dali. Se conseguir sair.

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Recentemente, uma polêmica assolou o mercado nacional de literatura: o embate entre a edição da Granta com os 20 melhores escritores brasileiros da atualidade e o livro Geração Subzero (resenhado aqui pelo Fred Linardi), que traz outros 20 escritores que vendem bem, mas são quase que ignorados pela crítica. Nas discussões – que passavam por temas como “público x crítica” e a impossibilidade de se escolher duas dezenas de representantes de uma literatura tão ampla como a brasileira – , muito foi falado e nada concluído. Contudo, para contribuirmos de alguma forma com este importante debate, conversamos Felipe Pena, organizador de Geração Subzero (além de jornalista e Doutor em Letras pela Puc-Rio, professor universitário e autor de 13 livros, que se dividem entre teóricos e ficcionais).

Canto dos Livros: Na sua opinião, o que é um livro bem sucedido?

Felipe Pena: É um livro que provoque o leitor, que o faça pensar e, acima de tudo, que o faça virar a página, sem conseguir largá-lo. Quando escrevi meu primeiro romance, Fábrica de diplomas, estas foram minhas preocupações. E elas continuaram nos livros seguintes. O melhor elogio que posso receber é quando um leitor diz que ficou grudado na história. Não há nada melhor.

CL: O que é a crítica literária para você? O que pensa e qual a importância que dá a ela?

FP: Com raras e boas exceções, não acho que tenhamos uma crítica literária de verdade no Brasil. Há, no máximo, resenhistas pautados por alguns grupos de influência. E esses grupos determinaram que só têm valor os escritores cuja prosa se aproxima da elipse, da referência intelectualizada, da erudição construída, do beneplácito da academia, da receita caseira que apregoa que a literatura é para poucos. E os poucos são eles próprios. Essa é uma visão tipicamente elitista. E afasta os leitores.

CL: Como fazer o balanço entre o que o público gosta e o que a crítica fala?

FP: Para fazer este balanço, é preciso perceber como o público é informado pela mídia (influenciada pela crítica) sobre todos os gêneros da literatura. Os festivais literários, as premiações, a crítica universitária e uma parte da imprensa dão a impressão de que só a literatura hermética tem valor. E isso não é verdadeiro. A escrita simples é a laboriosa tradução da complexidade. Escrever fácil é muito difícil. O problema é que o ambiente já está contaminado. Você acha que o júri do Jabuti vai premiar um autor da Geração Subzero? Ou que o curador da FLIP vai formar uma mesa na tenda principal com escritores populares? Nunca. No dia que isso acontecer, eu desfilo de cueca pelas calçadas de pedra em Paraty.

Aliás, isso não seria incoerente, já que a FLIP é a Fashion Week dos escritores. E não estou fazendo uma crítica, que fique bem claro. Eu frequento o festival desde a sua primeira edição. Ele é o mais importante do país, o que atrai mais atenção, o que legitima a produção nacional. Deveria olhar com mais atenção para os autores que formam leitores.

CL: Como você tem visto o retorno da crítica sobre o Geração Subzero? Será que a partir de agora esses autores (e outros também ignorados pelos críticos) serão lembrados?

FP: Seria uma incoerência se um livro com autores congelados pela crítica fosse elogiado por essa mesma crítica. Nós perderíamos toda a credibilidade. Por isso, tratamos a crítica com ironia. Mas isso não é novo pra mim.

A opção pela ironia sempre esteve presente nos meus romances. Minhas histórias ironizam a cultura erudita, o mundo acadêmico e a comunidade literária, que são as próprias áreas por onde eu circulo. Em Fábrica de Diplomas, por exemplo, que é um thriller de suspense numa universidade, o personagem principal é um analfabeto e o vilão é um doutor. Já em O marido perfeito mora ao lado, brinco com os rótulos da psicanálise para contar uma história de amor. É uma opção estética, consciente. Acredito que a ironia seja o melhor instrumento para desarmar a prepotência do mundo literário e do mundo acadêmico. E foi o que fiz com o Geração Subzero, que é uma ironia com a coletânea Geração 00, do Nelson de Oliveira, que teve a pretensão de apresentar os melhores autores brasileiros surgidos nos anos 2000. Uma pretensão absurda. Obviamente, a ironia serviu para provocar essa suposta crítica intelectualizada.

CL: Sobre o “Manifesto Silvestre”, que defende principalmente a possibilidade da literatura como entretenimento, você afirma no Geração Subzero que muitos autores concordam com essas ideias, mas confessam para você que nunca teriam coragem de defendê-las em público. Você tem pago um preço por dar sua cara a tapa?

FP: Não me importo de assumir esse preço. O importante é que o assunto entrou em pauta e beneficiou muitos autores que estavam esquecidos. Não há produção artística sem risco. Não podemos é ficar imobilizados pelas asas do cânone estabelecido. Eu transito nas duas margens: escrevo ficção e estou na academia (sou professor da UFF e fiz o doutorado em literatura). Então, as reações vêm dos dois lados. Mas não estou aqui para agradar ninguém. Falo o que penso, é natural que haja reações. Minha primeira e única obrigação é com a lealdade de pensamento. Portanto, o risco é minha única opção.

CL: Durante a seleção deste conteúdo, você afirma que o gosto do público foi soberano até sobre seu poder como organizador. Afinal, o público é o melhor juiz para a arte?

FP: Não estou preocupado com juízes, estou preocupado com a formação de leitores. O Geração Subzero é destinado a um público que se preocupa apenas com o prazer da leitura, com a relação afetiva com o livro, com as reflexões que uma história bem contada pode provocar e com a socialização dessas histórias e dessas reflexões. Sim, a socialização, pois aquele que tem prazer na leitura sempre recomenda o livro ao amigo mais próximo.

CL: O quanto você considera decisiva a educação formal, a chamada por você de “não ignorância erudita”, na formação de alguém?

FP: A educação formal é excelente se você souber relativizá-la. Eu fiz o doutorado em literatura para aprender como não escrever. Nas aulas, só se falavam em teorias e em autores chatos e herméticos. Não queira ser um deles. Então resolvi ser um ignorante por conta própria.

CL: Qual a contribuição que uma formação em psicologia dá a um jornalista? E a um escritor de ficção?

FP: A formação em psicologia me ajuda a compor os personagens, dá substância aos dilemas que eles vivem. Nosso principal desafio é tentar entender o outro.

CL: A psicologia influenciou sua maneira de lidar com a mente de personagens fictícios (tanto os seus quanto o de outros autores)? O que mudou e de que maneira?

FP: A psicologia me ajudou a entender o tempo. Tempo é expectativa, é o portão de ferro da angústia. Estamos aprisionados num passado que não volta e num futuro que é incerto. Isso torna mais difícil viver o presente. As leituras das obras de Freud, Lacan e Ferenczi me ajudaram a encarar a angústia.

CL: Uma vez você declarou sobre a ficção que escreve que “fatos se fundem para gerar uma história; ficção, mas também realidade” e parafraseou Manoel de Barros, dizendo que “Noventa por cento do que escrevo é invenção, só dez por cento é mentira”. Qual a importância relacionar fatos reais que são aparentemente desconexos entre si para formar uma história de sentido único, que explique um mecanismo muito maior, onde o importante é o todo e não a parte?

FP: Eu sou um cronista sem jornal. E cronista sem jornal é erro de semântica. É dialética a prazo, sem juros, em dez vezes, nas Casas Bahia. É a perda da sintaxe, do sentido. É a gramática velha, a ortografia antiga, com trema e acento nos ditongos orais crescentes. Cronista sem jornal não tem direito ao último pedido, ao afago feminino, ao gozo embevecido. Cronista sem jornal não tem direito a voltar no tempo e pedir a leitora em casamento.

Então, como não tenho jornal, posso inventar a partir da realidade. E a ficção fala muito melhor sobre a realidade do que a própria realidade.

CL: Seu currículo mostra uma formação sólida e uma produção prolífica. A impressão comum sobre o meio acadêmico é que se trata de algo hermético, cujos integrantes não fazem especial questão de tornar acessíveis aos leigos suas pesquisas e descobertas. Este diagnóstico procede? Como incentivar a produção acadêmica num país de educação claudicante?

FP: A Academia é um inverno perene. São os doutores universitários (e me incluo na lista) que prejudicam a formação de um público leitor no país. A própria linguagem da academia é produzida como estratégia de poder. Quanto menos compreendidos, mais nossos brilhantes professores se eternizam em suas cátedras de mogno, sem o controle da sociedade. E isso se reflete na literatura, claro.

A exceção fica por conta de críticos como o José Castelo (que não é acadêmico) ou o Tzvetan Todorov, por exemplo, que é o maior herdeiro do formalismo russo e fez um mea culpa corajoso no livro A literatura em perigo. (Espero conhecer outros).

Acho que uma boa opção é incentivar os blogueiros literários. Eles escrevem com paixão, não estão presos a dogmas ou preconceitos. As editoras deveriam fazer concursos de resenhas entre os blogueiros. Há muita gente boa falando sobre literatura na internet.

CL: Três de seus romances são justamente ambientados no meio universitário, e formam a chamada “Trilogia do Campus”: desvendam alguns bastidores deste meio, bem como o jogo de interesses na disputa por um mercado milionário, que é o do ensino superior. Como foi o processo de criação dos livros? Uma vez tão entranhado neste meio, há um componente de expiação, ou de desabafo?

FP: Não há desabafo. Escrevo ficção, ponto. Mas se o que escrevo pode levar as pessoas a refletir sobre a realidade, melhor ainda. Muitos leitores de O marido perfeito mora ao lado me mandam e-mails pra dizer que o livro os ajudou no casamento ou no namoro. Não era essa a intenção, já que o título é uma brincadeira com os livros de autoajuda. Mas como cada capítulo é um conceito da psicanálise, explicado pelo personagem principal no interior do enredo, algumas pessoas acabaram aplicando-os na própria vida. Nada contra. O livro pertence ao leitor. É o nome dele que deveria vir na capa, não o meu.

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O Prêmio Jabuti de 2010 foi marcado por uma grande polêmica. Se eu fechar os olhos agora, de Edney Silvestre, levou o prêmio de melhor romance, enquanto Leite Derramado, de Chico Buarque, foi escolhido como a melhor ficção do ano. Acontece que na categoria Romance o livro do famoso compositor havia sido derrotado pelo do jornalista da rede Globo. Então, instaurou-se o debate: como pode duas obras concorrer nas mesmas categorias que levam em conta somente o texto e cada uma levar um troféu? Como pode o melhor romance perder o título de melhor ficção do ano para um livro considerado inferior na própria categoria romance?

Muito barulho foi feito pela editora Record, que publicou Se eu fechar os olhos agora. Acusaram a organização do Jabuti de não ser séria e privilegiar o nome do autor, não a obra em si. Chegaram a divulgar uma nota dizendo que não participariam mais da premiação, mas mudaram de ideia. Agora, se deram bem.

Anunciados os vencedores do Jabuti 2011, o Grupo Editorial Record ficou com três títulos. Ribamar, de José Castello, levou na categoria Romance; Desgracida, de Dalton Trevisan, ficou em 1º em Contos e Crônicas e Em alguma parte alguma, de Ferreira Gullar, foi considerada a melhor obra dentre as inscritas em Poesia. Depois de muita choradeira – justa, na minha opinião – e de desvalorizarem abertamente a premiação, agora o grupo editorial comemora as conquistas.

A melhor ficção do ano ainda não foi anunciada. Será que Ribamar leva ou teremos mais polêmicas?

Os vencedores de cata categoria podem ser conferidos aqui. 

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vanessa

Nino Andrés/ Cosac Naify

Com apenas 27 anos, ela já integrou mesa de discussão na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e, em 2009, levou para casa o prêmio Jabuti na categoria Reportagem com O Livro Amarelo do Terminal. Falo de Vanessa Barbara, que se formou em jornalismo pela Cásper Líbero, apresentando como TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) exatamente a obra que mais tarde lhe valeria um troféu em forma de tartaruga. A escritora, que está abandonando a carreira jornalística para se dedicar exclusivamente a textos de ficção e trabalhos de tradução, concedeu por e-mail para o Canto dos Livros a bem-humorada entrevista abaixo, onde, dentre outras coisas, relata como começou sua paixão por pudim.

Canto dos Livros: De onde surgiu a idéia de falar do terminal do Tietê?

Vanessa Barbara: Queria fazer um livro sobre as ruas de São Paulo, mas teria que falar de calçadas, semáforos e meios-fios, o que me deixaria imensamente avoada, então acabei escolhendo a rodoviária porque é o lugar que mais se parece com a rua. O terminal traz histórias que ilustram contradições da metrópole: a modernização, o movimento repetitivo das pessoas que vão-e-vêm, a inconstância, a idéia de massas; e, por outro lado, a sensação de não-pertencimento, a vontade de retornar ao lugar de partida, o anacronismo dos personagens, a permanência – aquilo que nunca muda.

Canto dos Livros: Como foi o processo de apuração e redação d’O Livro Amarelo do Terminal?

Vanessa Barbara: Foi uma apuração de aproximadamente um ano, durante o qual vivia apavorada. O que mais me incomodava, além dos entraves burocráticos, era a minha completa inaptidão para conversar com as pessoas. Às vezes eu ficava em silêncio ao lado de algum entrevistado vendo os ônibus passarem, por puro pânico e falta de perguntas. Isso às vezes era uma vantagem, porque o sujeito acabava falando qualquer coisa que lhe viesse à mente.

Já a parte da redação foi mais tranquila e correu bem. De início, seria um livro de crônicas, mas os textos foram saindo num gênero mais híbrido e, como no formulário de inscrição dos TCCs não havia a opção “crônica”, acabei me rendendo ao formato de reportagem.

Canto dos Livros: O livro tem forma e linguagem que foge totalmente do que vemos na grande imprensa e do que é ensinado nos cursos de jornalismo. Como ele foi recebido pelos professores e avaliadores do seu TCC?

Vanessa Barbara: Meus orientadores, Marcelo Coelho e Welington Andrade, gostaram bastante do trabalho e me deram liberdade para fazer o que eu bem entendesse. A banca avaliadora era formada por Sérgio Alcides, Flávio Lobo e Nanami Sato, que a propósito caiu da cadeira logo no início da apresentação – mas não porque estivesse impressionada com o trabalho, como se poderia supor. De qualquer forma, eles gostaram do livro, me deram nota 10 e sugeriram algumas alterações, que mais tarde acabei incorporando.

Canto dos Livros: O seu livro se encaixa nos preceitos do Jornalismo Literário. Em algum momento você se preocupou com que o livro se encaixasse neste “rótulo”?

Vanessa Barbara: Jornalismo Literário não é nada mais do que escrever não-ficção usando uma técnica narrativa de ficção. Não é intrinsecamente bom ou mau, é uma técnica. Se for malfeito, pode ser tão ruim quanto uma matéria convencional mal apurada. Como falei, tentei misturar o estilo mais convencional com um tom de crônica, sabe-se lá Deus por quê.

Canto dos Livros: Qual era a sua expectativa para o Jabuti e o que ganhar este prêmio representa para você?

Vanessa Barbara: Não achava que um livro totalmente amarelo pudesse vencer o Jabuti, mas veja só que surpresa. É um livro incomum, diferente e um tanto experimental, então fiquei surpresa de ver que uma coisa esquisita assim também podia ganhar prêmios. Acho que os jurados se convenceram ao tomar conhecimento de uma frase do John dos Passos (“Repara no amarelo, é lindo”) e de outra do Van Gogh (“Como é agradável o amarelo! Ele simboliza o sol”).

Canto dos Livros: Você já participou de mesa na Flip e levou um Jabuti com 27 anos. Como uma jovem é recebida no meio literário, cujas pessoas costumam ser mais velhas?

Vanessa Barbara: Tenho 27, mas sou a mais idosa das escritoras. Gosto de usar pijamas, de escrever com uma manta xadrez nos joelhos e até hoje não aceito a reforma ortográfica de 1971, aquela que aboliu a maioria dos acentos diferenciais, como o de flôres e de agôsto. Aos 30 anos, estarei nas ruas protestando contra as discotecas, esses templos de licenciosidade pagã.

Canto dos Livros: Você já está trabalhando em algum outro livro? Sobre o que será? Já tem previsão de lançamento?

Vanessa Barbara: Estou escrevendo uma história em quadrinhos em parceria com o ilustrador Fido Nesti, que se chama A máquina de Goldberg. Tenho um livro infantil que vai sair ano que vem pela editora 34, ilustrado pelo Andrés Sandoval, que se chama Endrigo, o escavador de umbigo. E estou escrevendo um romance, mas esse é segredo.

Canto dos Livros: Quais são as suas principais referências literárias?

Vanessa Barbara: Para o Amarelo, li alguns jornalistas e escritores como Joseph Mitchell, Gay Talese, Truman Capote, Hemingway, John dos Passos, João do Rio, Rubem Braga, Luis Fernando Verissimo, George Orwell, Charles Dickens e até um quadrinista, o Will Eisner. Na literatura de ficção, gosto de Flaubert, Cortázar, Borges, Kafka, Campos de Carvalho, Cervantes, Sterne, Drummond, Poe, Svevo e Lewis Carroll.

Canto dos Livros: É verdade que você quer parar de escrever não-ficção? Por quê?

Vanessa Barbara: Como ficou sabendo? Sim, é verdade. Dei um tempo no jornalismo porque tenho muita dificuldade de fazer a apuração, de conversar com as pessoas, e percebi que ficava cronicamente apavorada com a obrigação de fazer isso. Então, decidi me dedicar mais a ficção, crônica e tradução. Também reviso legendas de filmes em polonês.

Canto dos Livros: De onde vem e como você lida com o seu fascínio por pudim?

Vanessa Barbara: Começou em 1984, quando eu estava ocupada mastigando os meus próprios dedos e de repente me deparei com um grande e translúcido pudim. Meus preferidos são os de leite, mas os de laranja também são dignos de nota e – por que não? – os flans de chocolate e de ameixa têm um espaço cativo no meu coração. É tudo questão de consistência e da qualidade dos ovos.

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livroamareloAinda que com algum atraso, acho bastante válido registrar aqui no blog algo sobre o Jabuti deste ano, que agraciou Vanessa Barbara, pelo seu O Livro Amarelo do Terminal, com o primeiro lugar na categoria Reportagem.

A obra retrata o cotidiano na Rodoviária do Tietê, narrando histórias de pessoas que trabalham e transitam pelo local. Aliás, explorar o ser humano comum, aquele que está longe das câmeras de televisão e da grande imprensa – este que é uma das recomendações básicas do Jornalismo Literário – é o grande trunfo do livro.

Vanessa imprime na narrativa uma velocidade rápida, com personagens que aparecem, tem suas histórias muito bem contadas em algumas páginas e logo voltam ao seu anonimato. Entretanto, todas as passagens ajudam a formar o grande mosaico que é a rodoviária.

Tudo isso é narrado de forma bem humorada, mas com uma sutil ironia em determinados momentos, principalmente quando supostas autoridades tentam interferir na apuração do livro, escrito inicialmente como trabalho de conclusão de curso da repórter. A única parte em que a leitura fica um pouco pesada, mas que serve para quebrar o ritmo do livro, é quando a construção da rodoviária é contada através de trechos de reportagens de jornais da época das obras.

Não nego que torci muito para que O Livro Amarelo do Terminal fosse o premiado, desbancando nomes de peso, como O Olho da Rua, de Eliane Brum. A obra é daquelas que são lidas de uma só vez e que faz com que o leitor fique triste ao perceber que o livro vai chegando ao fim.

Por fim, quem também merece os parabéns é a editora Cosac Naify, que publicou o livro com um ousado visual gráfico e apostou em um texto bastante diferente do padrão!

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