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Rodrigo Casarin

Claudio Tavares_ISA

Claudio Tavares_ISA

A convivência com diferentes povos indígenas, o apreço por valores humanos como, o respeito às minorias, e o fortalecimento da diversidade socioambiental são alguns dos motivos que moveram o antropólogo Beto Ricardo nesses últimos 45 anos. Um dos convidados para a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), onde irá compor a mesa “Tristes trópicos” com Eduardo Viveiros de Castro, seu colega de profissão, passou a vida profissional batalhando por causas ligadas principalmente aos índios e ao meio ambiente.

Formou-se em Ciências Sociais pela USP em 1972, idealizou e coordenou o projeto Povos Indígenas do Brasil, com atuação entre 1978 e 1992, e militou pelos direitos indígenas. É sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), que visa propor soluções para problemas sociais e ambientais; nele, coordena o Programa Rio Negro, que atua na Bacia do Rio Negro, no noroeste da Amazônia. Também fez parte da criação da Comissão Pró-Yanomami, que defende os direitos dos índios yanomamis. Pelo seu trabalho, ainda em 1992, recebeu, nos Estados Unidos, o Prêmio Ambientalista Goldman. Já em 2011, foi eleito a Personalidade do Ano pelo Paladar, caderno gastronômico do jornal O Estado de São Paulo, pela ajuda prestada a chefs na busca por ingredientes amazônicos.

Na entrevista a seguir – concedida inicialmente para uma matéria que fiz ao Uol sobre a presença de Davi Kopenawa, escritor e xamã yanomami, na Flip -, Beto Ricardo fala sobre as questões indígenas em voga no país, os problemas pelos quais as nações marginalizadas passam e a importância dos atos simbólicos. Além disso, também conta que ainda há muito a se explorar na relação entre as florestas e a gastronomia, algo que só será possível caso haja preservação ambiental.

Rodrigo Casarin: Neste momento, como está a questão da demarcação das terras indígenas? Por que é tão importante que isso aconteça?

Beto Ricardo: A demarcação de terras indígenas está praticamente paralisada no governo Dilma, além de outros sinais de retrocesso. Há forte pressão da bancada ruralista no Congresso Nacional para transferir o reconhecimento de terras indígenas do executivo para o legislativo, incluindo a revisão de Terras já em processo de demarcação. Se isso acontecer será a pá de cal no principal direito indígena inscrito na Constituição Federal de 1988, segundo a qual é considerado direito originário e cabe ao Estado reconhecê-lo. Terras reconhecidas são a base para os demais direitos coletivos dos povos indígenas. É verdade que uma boa parte dos direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil já está reconhecida, mas ainda há pendências importantes e pressões e ameaças nas terras demarcadas. Além do fato de que esses direitos estão desigualmente distribuídos. Nas regiões centro-oeste e norte a maior parte das terras indígenas são extensas e contínuas, reconhecidas e demarcadas depois da Constituição de 1988, mas pesam sobre essas terras o impacto das hidrelétricas, as invasões garimpeiras, o desmatamento do entorno e o aumento da vulnerabilidade ao fogo. Já nas regiões nordeste, sudeste e sul, os índios estão confinados em terras diminutas ou vivendo literalmente na beira de estradas, como é o caso de muitas comunidades do povo guarani.

RC: E quais são as questões indígenas que precisam ser tratadas com maior urgência?

BR: É preciso resolver o caso Guarani, o mais numeroso dos povos indígenas do país e desprovido de seus direitos territoriais básicos, e também a proteção dos chamados povos “isolados”. É preciso concluir as demarcações nas regiões centro-oeste e norte. Para as demais regiões do país há casos que requerem a desapropriação de terras para alargar os horizontes dos confinamentos a que estão relegados muitos povos e para viabilizar o assentamento de indígenas sem terra.

É também muito importante que o Governo Federal garanta recursos do orçamento da União, a longo prazo, para bancar os planos de gestão desses territórios, conforme prevê a PNGATI (Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas), criada pela presidente Dilma em 2012. Para as Terras Indígenas situadas no arco do desmatamento da Amazônia, serão necessárias cada vez mais ações de adaptação às mudanças climáticas. Além disso é importante a implantação de sistemas diferenciados de educação escolar, com um programa de fortalecimento das línguas indígenas e de atendimento especializado à saúde. Também seria oportuno a criação de espaços institucionais e protocolos que permitam o diálogo intercultural com os conhecimentos indígenas, relevantes para o futuro do Brasil, dos biomas brasileiros e do planeta. Nunca é demais lembrar os serviços socioambientais e climáticos prestados pelas terras indígenas. Na Amazônia, elas representam uma parte muito importante das florestas, que garantem as chuvas, a biodiversidade e as condições do clima na maior parte do continente.

RC: Na luta pelos direitos dos povos indígenas, qual a importância de momentos simbólicos, como o pequeno índio que, na abertura da Copa, levou uma faixa pedindo a demarcação de terra?

BR: Fatos positivos marcantes e registrados em imagens são cruciais, porque alimentam um capital simbólico que funciona como um estoque de compensação à minoridade demográfica (0.4% da população nacional) e política dos povos indígenas, num país imenso, preconceituoso e avassalador, com 200 milhões de habitantes. Nos últimos 40 anos, tivemos vários episódios que renderam imagens marcantes para o imaginário do Brasil e do mundo: Mário Juruna Xavante com seu gravador para registrar as promessas de políticos em Brasília; Raoni Mentuktire Kayapó dividindo o palco com Sting ou puxando a orelha do ministro (do regime militar) Mario Andreazza durante uma coletiva de imprensa; Ailton Krenak pintando o rosto de preto enquanto discursava no plenário da Câmara Federal, em sinal de protesto pela supressão do capítulo dos direitos indígenas durante a Constituinte; a presença dos Kayapó no plenário da Câmara, durante a votação da Constituição Federal; Davi Kopenawa Yanomami protestando contra o massacre do seu povo pelos garimpeiros e recebendo o rei da Noruega em sua aldeia; a advertência de Tuira que usou a lâmina de seu facão para tocar o rosto de um diretor da Eletronorte em protesto contra a construção de barragens no rio Xingu em 1989 e tantos outros. Essas imagens estão reunidas numa exposição Povos Indígenas no Brasil 1980/2013, uma iniciativa da Embaixada da Noruega e do ISA, da qual fui curador. Essa exposição estreou em Brasília no final do ano passado, já esteve em São Paulo, em Belém e desde 15 de julho está instalada ao ar livre na Ponta Negra, em Manaus, por um mês.

RC: Qual a importância, a representatividade, da questão indígena ser abordada na Flip, um dos principais eventos culturais do país, tendo inclusive a mesa “Marcados” dedicada ao tema e com participação do Davi Kopenawa, um xamã Yanomami?

BR: Eu fiquei surpreso com o espaço aberto pela Flip para este tema. Originalmente havia a expectativa de se organizar apenas uma mesa ao redor do lançamento do livro “A queda do Céu”, de coautoria do xamã Davi Kopenawa e do antropólogo Bruce Albert, uma obra de fôlego, com 800 páginas, já publicada em francês e inglês, cuja versão em português está a caminho.

Acho importante que o tema seja abordados na Flip, se possível de uma forma não apenas episódica, mas incorporando narradores e autores indígenas, como um nicho de mercado. Mas é preciso politicas públicas governamentais para fortalecer processos e produtos bem acabados, com traduções competentes das narrativas em cerca de 150 línguas.

RC: Como a cultura indígena se relaciona com a literatura?

BR: É um caso de amor sem solução. É a luta dos igarapés contra as rochas. O vigor e originalidade das culturas indígenas estão nas narrativas orais, reiterativas, performáticas, fluidas. A literatura é baseada na palavra, escrita e impressa, que o vento não leva. Dito isso, como é de conhecimento, estão disponíveis no mercado editorial muitos livros infantis e juvenis, com autores individuais – sejam indígenas ou não indígenas – baseados, ou inspirados, em mitos indígenas. Para criar Macunaíma, Mário de Andrade bebeu nos registros da mitologia dos Taurepang, Ingarikó e Macuxi, feitos pelo pesquisador Koch-Grunberg no início do século XX.

Mas há que se reconhecer que a antropologia e a linguística no Brasil nunca estiveram tão capacitadas para transitar entre as línguas indígenas específicas e algumas línguas dominantes, como o português e o espanhol. E até o francês e o inglês, como é o caso de “A queda do céu”, um trabalho de excelência, que custou a ser publicado e se transformou rapidamente num marco desse novo ambiente. Tradicionalmente os esforços da linguística para grafar e normatizar as línguas indígenas era ofício de missionários que tinham por objetivo a tradução da bíblia para a catequese e a conversão, desde os jesuítas no século XVI até as organizações missionárias evangélicas atuais.

Hoje em dia há muitos antropólogos e linguistas – inclusive indígenas – que tem bons conhecimentos das línguas indígenas contemporâneas, o que viabiliza o registro e a difusão de contribuições dos povos indígenas com outras culturas. Uma iniciativa exemplar é o Programa de Documentação de Línguas Indígenas, que inclui o Museu Nacional e o Museu do Índio, com apoio da Unesco e coordenado por Bruna Franchetto, desde 2009.

Há que se destacar alguns outros exemplos, como a série “Narradores Indígenas do Rio Negro”, da FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), com oito volumes já publicados e vários a caminho. Trata-se de um esforço editorial de mobilizar jovens adultos bilíngues, que gravam narrativas com os velhos sabedores e as transcrevem nas suas línguas de origem, posteriormente traduzidas ao português com apoio e notas de antropólogos especializados, resultando em versões atribuídas autoralmente aos narradores/clãs dos quais fazem parte. São bons exemplos os trabalhos do antropólogo Pedro Cesarino publicados em livros: “Oniska: poética do xamanismo na Amazônia” e “Quando a Terra deixou de falar: cantos da mitologia Marubo.

RC: E qual a importância, não só pela participação na Festa, de Davi Kopenawa?

BR: Davi é uma pessoa inspirada, cuja trajetória de vida o fez um homem-ponte entre mundos, na era da crise planetária, que começa a ser designada como antropoceno, uma nova época geológica, devido a transformação da espécie humana de mero agente biológico em força geofísica capaz de alterar as condições fundamentais da vida no planeta. No Brasil essa perspectiva tem pautado trabalhos recentes da filósofa Deborah Danowski e do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro.

RC: De que forma você acha que o seu trabalho contribuiu para que a presença de um xamã num evento literário fosse possível?

BR: Eu conheço Davi Kopenawa há mais de 30 anos. Fui membro da Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY), depois da demarcação e homologação da Terra Yanomami em 1992, renomeada como Comissão Pró-Yanomami, e desde 2008 incorporada ao ISA (Instituto Socioambiental). Pelo ISA eu coordeno um programa na bacia do Rio Negro que inclui um termo de cooperação com a Hutukara Associação Yanomami, do qual Davi é o presidente. Apoiamos várias iniciativas do povo yanomami, entre as quais a realização de encontros de xamãs, a expansão de uma rede de comunicação por radiofonia, o intercâmbio com os yanomami da Venezuela e algumas pesquisas sobre os conhecimentos tradicionais e diálogos interculturais. Resultam desses processos algumas publicações e vídeos. Nesse contexto estamos apoiando a tradução do livro “A queda do céu”.

RC: Como você vê a relação entre os índios e o restante da sociedade brasileira?

RC: Em geral eu acho que o paradigma mudou nos últimos 40 anos. Quando começamos dar atenção a este assunto, no início dos anos 1970, os povos indígenas estavam condenados ao desaparecimento ou invisíveis, sob a retórica da ditadura militar de que a Amazônia era um vazio demográfico a ser ocupado aceleradamente em nome da soberania nacional. Na contra mão e a partir de uma rede da sociedade civil, conseguimos botar os índios no mapa, os direitos na Constituição de 1988 e avançamos com as demarcações de terras e outras iniciativas que inscreveram os povos indígenas no imaginário social e nas agendas nacionais futuras. Mas há pelo menos duas derivações desse novo paradigma, uma favorável aos povos indígenas , suas terras e direitos coletivos – com audiência especialmente entre a maioria dos brasileiros, que vivem na cidades; e outra que quer retroagir nos direitos constitucionais e frear ou reduzir os direitos indígenas, especialmente os territoriais, para liberar mais terras para o agronegócio ou obras de infraestrutura associadas. Nessa segunda vertente estão os segmentos da população brasileira que estão mais próximos geograficamente dos índios, muitas vezes atiçados por grandes interesses econômicos.

RC: Já ouvi muita gente, ao ver um índio aparecer na televisão com um celular, por exemplo, dizer: “olha lá, desde quando índio usa celular? Índio usa arco e flecha” ou algo semelhante. O que você pensa disso?

BR: É uma das formas mais perversas de preconceito, porque quer congelar as culturas indígenas, negando-lhes o direito que todas as culturas do mundo trocam processos, ideias, símbolos, comportamentos, sem que isso signifique perda de identidade. Além do mais, tal visão preconceituosa pretende deslegitimar o manejo que os povos indígenas fazem de suas identidades para obter vantagens práticas. Refiro-me, por exemplo, ao fato de indígenas que vivem em regiões fronteiriças e que possuem dupla documentação de identidade, o que lhes permite participar de processos eleitorais e de programas sociais em dois países. Por que não? Afinal, um belo dia, dona Marisa, então primeira dama, resolveu tirar passaporte italiano, incluindo os filhos, na expectativa de, eventualmente, obter vantagens derivadas da dupla nacionalidade e nem por isso deixou de ser brasileira. Tá cheio de paulistas que querem ser italianos. Se índio que usa celular deixasse de ser índio, o que dizer dos brancos que comem farinha e dormem em redes?

RC: Até aqui, utilizei “povos indígenas” e “índios” para simplificar as perguntas, mas essa simplificação é possível? Podemos, de alguma forma, tratar os indígenas como se fossem todos iguais ou cada tribo deve ser vista de maneira única?

BR: Depende das circunstâncias e do espaço disponível. Às vezes só cabe usar índios para diferenciar os nativos dos adventícios. O melhor é usar o genérico povos indígenas, terminologia amplamente reconhecida na legislação internacional e que faz jus às identidades culturais e organizações sociais específicas. Na prática cada tribo deve ser vista como singular. Claro que há semelhanças entre os povos de língua tupi e entre os de língua gê, por exemplo, mas há também muitas diferenças. No caso do Brasil estamos falando de 240 povos e 150 línguas, aproximadamente. Ou seja, não se confirmou a hipótese de alguns pessimistas, de que os indígenas no Brasil caminhariam inexoravelmente para uma identidade genérica. Aliás, no censo do IBGE de 2010, quase 900 mil pessoas se auto-identificaram como indígenas, como pertencentes a 305 povos, falando 274 línguas, resultados que necessitam de uma refinada revisão metodológicas para serem corretamente interpretados.

RC: O que te motiva a realizar o seu trabalho?

BR: As oportunidades de convivência com diferentes povos indígenas pelo Brasil afora, nos últimos 45 anos, além do apreço por valores estratégicos para a humanidade, como o respeito às minorias e o fortalecimento da diversidade socioambiental.

RC: Entrando rapidamente na questão gastronômica, como você ajudou chefs a obterem acesso a ingredientes da Amazônia? Quais ingredientes foram esses?

BR: O ISA tem programas e subsedes regionais nas bacias hidrográficas onde atua (Ribeira, Xingu e Rio Negro). Operamos com parcerias locais, regionais, nacionais e internacionais. Uma das linhas básicas da nossa atuação é criar ou apoiar alternativas econômicas com valor socioambiental agregado para comunidades que vivem na floresta. Nesse contexto é que abrimos uma conversa com vários chefs de cozinha, começando pelo Alex Atala no Rio Negro, em 2005. Desde então vários chefs do Brasil e do exterior vieram andar conosco nessas fronteiras de conhecimentos, convivendo com as comunidades indígenas e ribeirinhas, experimentando novos ingredientes, mas sobretudo aprendendo sobre as origens e modos de fazer, convertendo-se em aliados importantes para equacionar as dificuldades da comercialização: distâncias, dificuldades de logística, sazonalidades e controle de qualidade, entre outras. Essa nova atitude tomou corpo no Instituto Atá, fundado em São Paulo em 2012, uma organização da sociedade civil dedicada a promover e fortalecer a diversidade socioambiental e a agrobiodiversidade brasileira em particular. Começamos pela pimenta baniwa tipo jiquitaia, mas estamos identificando e pesquisando com as comunidades uma cesta de produtos, que inclui óleos, castanhas, derivados da mandioca brava, cogumelos, méis de abelhas sem ferrão e muitos outros.

RC: Há ainda muito a ser explorado na relação entre a floresta e a gastronomia? Faz ideia de algo que esteja por vir?

BR: Sim, as regiões de floresta são as maiores fronteiras da diversidade socioambiental do planeta, mas estão fortemente pressionadas pela agropecuária extensiva, com suas associadas, as indústrias de defensivos, de infraestrutura e de alimentos. Sem falar nas empresas de gás, petróleo e mineração. Esse bloco está altamente capitalizado, seja na vertente transnacionalizada, seja no cacife voraz de países como a China.

As paisagens florestais e a diversidade cultural associada estão sendo erradicadas e substituídas por paisagens reducionistas e “monótonas” numa velocidade espantosa.

Uma economia socioambiental baseada na diversidade cultural e nas paisagens florestais ainda é possível, mas requer visão estratégica e volumes de investimentos e modelos de governança capazes de deter o rolo compressor do capitalismo predatório.

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jaffePara viver de literatura quase sempre é preciso se desdobrar. Noemi Jaffe se desdobra. Escreve livros, prefácios, ensaios e críticas, faz curadoria, dá aula em universidades e ministras cursos e oficinas de escrita. Assim, leva uma vida sem luxos, é verdade, mas alinhada com sua paixão pelas letras. Autora, dentre outros, de A verdadeira história do alfabeto e O que os cegos estão sonhando, também mantem o blog “Quando nada está acontecendo”. Na conversa que tivemos com ela por e-mail, falou de suas obras,da literatura de uma forma geral, do belo e até mesmo de poesia, assunto um tanto raro aqui no Canto.

Canto dos Livros: O que se passa quando nada está acontecendo?

Noemi Jaffe: Quando nada está acontecendo passa o que passa distraído e é durante a distração, quase sempre, que se passam as melhores coisas. Aquelas das quais a gente não se dá conta, que não têm grandiloquência, mas têm voz e vez. Não o amor, nem a guerra, nem a paz: mas algumas palavras, algumas pessoas, lugares e ações. O que se passa é o concreto, quando nada está acontecendo.

CdL: A verdadeira história do alfabeto guarda algumas semelhanças com O livro dos seres imaginários, de Jorge Luis Borges. Ele realmente lhe é uma referência?

NJ: Esse livro, particularmente, não, porque eu nem tinha feito essa relação. Mas a literatura borgeana, sim, embora não diretamente. Borges está sempre ressoando em quase tudo o que escrevo, na sua visão de literatura como jogo, influência, espelho, circularidade e na ideia de que a linguagem e as línguas são mistérios que, quanto mais você cava, mais misteriosas ficam.

CdL: Em O que o cegos estão sonhando você parte do diário que sua mãe escreveu durante a Segunda Guerra, quando ela foi prisioneira em um campo de concentração, para criar uma ficção. Como foi o contato com esse passado da sua mãe? Quais emoções afloraram? Onde a ficção se fez essencial?

NJ: Foi, e sempre é, um contato muito difícil. Me identifico muito com ela e sinto dor, medo e culpa. Mas também aprendo, com ela, a importância da dignidade, da coragem e tento dar importância, na vida, ao que é realmente importante, sem me ater ou fixar a bobagens ou frivolidades. A ficção se fez essencial porque foi a forma que encontrei para lidar com algo de que não conseguia me libertar. Não quer dizer que me libertei, mas aprendi muito com a ficção. Aprendi sobre a importância de dividir essa história e mais algumas coisinhas sobre as pessoas e o mal, que está em todo lugar e no fundo de todo mundo.

CdL: Ainda sobre O que os cegos estão sonhando, a leitura de um relato sobre o holocausto tende a modificar o leitor. Você foi modificada pelos relatos que teve contato? Em qual medida?

NJ: Acho que já respondi na pergunta acima. Estou sempre sendo modificada por essa história e pelo que leio sobre ela. Não termina.

CdL: Você atua em diversas frentes literárias, seja como escritora, professora, crítica, curadora ou acadêmica. É possível afirmar que você vive de literatura? Como foi seu trajeto? Como é possível alcançar essa realidade que é o sonho de muita gente?

NJ: Sim, vivo de literatura. Mas principalmente das aulas de escrita criativa que ministro. Não vivo de direitos, de forma alguma. Mas é a literatura que me sustenta, através de palestras, prefácios, críticas, aulas etc.
Alcançar essa realidade é fruto de perseverança. A literatura sempre dá vontade de desistir, num país como o nosso e com a pressa que as pessoas têm de obterem repercussão. Não se pode ter pressa. Se escrever é reescrever, viver de literatura é tentar de novo. Nunca tive luxo e acho que nunca vou ter.

CdL: Dessas frentes, qual é a que lhe dá mais prazer? E há alguma que na qual você gostaria de parar de atuar?

NJ: A que mais me dá prazer é terminar um livro e vê-lo pronto. Não quero parar de atuar em nenhuma. Talvez dar menos aulas.

CdL: Quais as maiores surpresas que você já teve nas aulas e oficinas de escrita que ministra?

NJ: Ter encontrado alguns grandes escritores.

CdL: Até onde é possível ensinar alguém a fazer literatura?

NJ: Infinitamente, na mesma medida em que eu mesma estou sempre aprendendo. Eu não ensino a escrever. Ensino as pessoas, ou tento ensinar a extrair o melhor de si em termos técnicos e na demonstração de recursos, como concisão, uso de palavras, simplicidade etc.

CdL: Nas artes, em geral, e na literatura, especificamente, o clássico será sempre o belo?

NJ: De forma alguma! O belo não tem mais nome. O belo é o necessariamente belo, como disse Kandinsky.

CdL: A criação de novos gêneros textuais – tweets, posts etc – pode alterar a produção literária ou ela só existe nos gêneros consagrados?

NJ: Acredito que sim, mas ainda não. Talvez parte da literatura passe a ser mais condensada e talvez outra parte, como acredito, por oposição, retorne ao caudaloso e ao trabalhoso.

CdL: Uma de suas obras, para a série Folha Explica, trata de Macunaíma. Considerando que é possível detectar uma mudança de mentalidade na sociedade brasileira, de uns 20 ou 30 anos para cá, a análise e os paralelos possíveis de serem traçados do romance com a realidade também devem mudar? A 1ª edição do seu livro, de 2001, deveria ter algum acréscimo ou modificação significativa?

NJ: Acho que eu faria mudanças sim, mas não em função da realidade brasileira e sim em função da análise que realizei, à qual acrescentaria alguns trechos do livro que deixei de verificar. Acho que Macunaíma é mutante o suficiente para sempre ser uma representação fiel (e infiel) do Brasil.

CdL: Há alguma obra recente potencialmente similar à Macunaíma, em seu impacto e originalidade?

NJ: Penso em várias ótimas obras sobre o Brasil, mas em nenhuma especificamente, portanto acho que nada com o mesmo impacto. Gosto do José Luis Passos (confira aqui a entrevista que fizemos com ele), Paulo Scott, Bia Bracher e outros, que falaram sobre questões políticas brasileiras.

CdL: Você organizou ma antologia de poemas do Arnaldo Antunes e já ministrou curso sobre Paulo Leminski. Como está o atual momento da poesia?

NJ: Acho que está realmente bom! Poetas ótimos, com dicção nova e desafiadora. Estou adorando o momento poético brasileiro.

CdL: Do que se trata e a que se propõe o romance que você está escrevendo? Qual a previsão de lançamento?

NJ: Não tenho previsão de lançamento. O romance tem a ver com a revolução húngara de 1956. Não quero, por enquanto, falar mais do que isso. 

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IvanaDepois de passar por distintas fases, Ivana Arruda Leite não sabe porque escreve. Mais que isso, fará dessa falta de resposta o mote de seu próximo romance. A mestre em Sociologia pela USP que nasceu em 1951, em Araçatuba, é autora de obras como Falo de mulher e Ao homem que não me quis, de contos, da novela Eu te darei o céu – e outras promessas dos anos 60 e dos romances Hotel novo mundo e Alameda Santos. Também escreve livros infantis e infanto-juvenis e vê alguns de seus trabalhos sendo publicados em no exterior. A escritora fala disso e de diversos outros assuntos na conversa que tivemos com ela.

Canto dos Livros: A revista alemã Die horen publicou dois contos seus. Quais contos são esses? Do que eles tratam?

Ivana Arruda Leite: Os contos são “Receita para comer o homem amado” e “O sabonete das estrelas”. O primeiro é do meu livro Falo de Mulher, o segundo, do Ao Homem que não me quis.

CdL: O que significa ser publicada numa revista estrangeira? Como conseguiu essa publicação?

IAL: Essas publicações (além de antologias no México) são reverberações da feira de Frankfurt, que jogou luz sobre autores brasileiros. Apesar de não ter ido à feira, fui publicada na revista bilíngüe Machado de Assis, da Câmara Brasileira do Livro, e ela me levou a outras publicações.

CdL: Por que você escreve?

IAL: Se você me fizesse essa pergunta há quarenta anos eu diria “escrevo porque a literatura é a minha vida, o meu meio de expressão pra chegar às pessoas. Através dela eu consigo organizar meus sentimentos, minhas idéias e botar pra fora todo meu torvelinho interior. Sem a literatura eu morro”.

Se você me fizesse essa pergunta há dez anos eu diria: “escrevo pra chegar às pessoas, emocioná-las com minhas histórias, fazer com que elas se identifiquem, tenham um pouco de conforto e consigam rir de si próprias”.

Hoje você me pergunta e eu não tenho resposta.

Durante anos escrevi pra me curar ou curar as pessoas. Esvaídos esses propósitos, busco um sentido para a escrita e a resposta para a sua pergunta.

CdL: Do que tratará seu próximo romance?

IAL: Justamente disso. Meu próximo romance conta a história de um escritor cinqüentão, boa pinta, sucesso de público e de crítica em crise com a literatura. De repente ele se dá conta que a vida fora dos livros é muito mais rica e bonita do que a artificialidade que ela ganha ao “virar” literatura. Depois de conseguir fama, dinheiro, prêmios e mulheres, ele se pergunta: escrever pra quê? Essa é a pergunta.

CdL: Você tem livros escritos para públicos de diversas idades. O que muda na hora de escrever um infanto-juvenil e um adulto, por exemplo?

IAL: Muda a temática e a linguagem. Tanto uma quanto outra devem se adequar aos pequenos. Eu acho muito mais fácil e divertido escrever pra crianças. Pena que essa que não seja minha vocação primeira. Os livros infantis são raros de acontecer e geralmente surgem para atender uma encomenda.

CdL: Até quando você acha que teremos a cultura do politicamente correto na produção infantil e infanto-juvenil?

IAL: Infelizmente, por muito tempo. Parece que o politicamente correto chegou pra ficar. Pior que o politicamente correto é a briguinha entre os dois partidos. Os corretinhos vendo os incorretos como preconceituosos escrotos, fascistas e reacionários; os incorretos vendo os corretinhos como babacas imbecis. Ai que preguiça…

CdL: Você já declarou que considera a narrativa no estilo “diário” um forte atrativo para o público jovem. Como você trabalha esse tipo de texto pra que ele não fique raso e/ou meramente anedótico?

IAL: Eu só tenho um livro no estilo diário, é o Confidencial – anotações secretas de uma adolescente. Como ele foi feito com base nas vivências com uma sobrinha muito querida de quem eu sempre fui muito próxima, eu tinha material para aprofundar questões polêmicas como sexo, drogas, brigas com os pais, etc. Apesar do humor (sempre presente nas minhas obras), o livro não ficou raso nem anedótico.

CdL: Você costuma citar Kafka e Julio Cortázar como suas principais influências na produção de contos por causa da concisão. Na sua obra, a busca pela concisão é uma escolha estilística ou, pra você, ser conciso é um pré-requisito para um bom conto. Por quê?

IAL: As duas coisas. Pra mim, a concisão é uma escolha por considerá-la um pré-requisito para o bom conto. Mas entenda: concisão não quer dizer necessariamente conto curto. Um conto pode ser imenso e ser conciso. Concisão é a qualidade do que não excede, não se estende em demasia, não enrola, não escreve em dez linhas o que pode ser dito em duas, segue rente ao osso. Essa será sempre minha escolha estilística.

CdL: O seu livro Eu te darei o céu é dedicado ao Joca Reiners Terron. Qual importância ele tem na sua carreira?

IAL: Eu vivia contando meus “causos” dos anos 60 nas rodas de cerveja da Mercearia [São Pedro, famoso ponto de encontro de escritores em São Paulo] e o Joca vivia insistindo pra que eu escrevesse sobre isso. Quando finalmente resolvi colocar minhas memórias adolescentes no papel, nada mais justo do que dedicá-las a quem me incentivou a fazê-lo. Fora isso, o Joca é um ótimo conselheiro e vive me dando palpites certeiros. Tonta sou eu que não os sigo à risca.

CdL: Você vivenciou diversos períodos emblemáticos na história do país e no mundo, como a Ditadura e a censura militar, o fim da polarização da guerra fria, o advento da internet. Em qual medida a experiência destas mudanças te afetou como escritora?

IAL: Essas mudanças me afetaram como pessoa. Nasci em 51. Cresci na efervescência psicodélica dos anos 60, passei a juventude sob o tacão da ditadura, dancei muito ao som do primeiro compacto dos Beatles, fui macaca de auditório do Roberto Carlos, saí à rua sem lenço e sem documento. Sou cria da televisão. Como passar imune a tudo isso? Claro que este universo acaba constituindo a pessoa que eu sou e a escritora que eu me tornei. Não há como fugir da própria história.

CdL: Qual a sensação ao ler algum texto seu escrito há muito tempo? Qual Ivana você enxerga nele?

IAL: Quando releio minhas primeiras publicações às vezes eu me surpreendo (poxa, que conto legal, eu não sabia que ele era tão bom); às vezes eu torço o nariz (poxa, que pena, se eu tivesse me dedicado um pouco mais, ele ficaria bem melhor); às vezes eu me arrependo (poxa, por que não joguei esse conto no lixo?)

CdL: O empoderamento feminino é um tema que vez ou outra aparece em sua obra. Como você enxerga essa questão na literatura atual? Acha que ainda há resistência a temáticas sobre as “minorias”?

IAL: Não acho não. Até porque as mulheres não são minoria há muito tempo. Nos meus contos você nunca vai encontrar a mulher coitadinha. Pelo contrário, elas são bravas, são loucas, se vingam e dão um jeito de saírem vitoriosas. Na real, o fato de ser mulher não faz de mim um ser especial com direitos e privilégios que os homens não mereçam. Somos todos igualmente desgraçados, homens e mulheres.

CdL: Durante sua carreira, houve mudanças em relação ao reconhecimento das mulheres escritoras? Se sim, quais? São necessárias mais mudanças, ou o status do escritor independe do gênero sexual?

IAL: O status do escritor independe do gênero.

CdL: Certa vez você disse que sonhava em viver de literatura. Como anda a busca por esse sonho?

IAL: Depois de trinta longos e árduos anos de trabalho, hoje sou funcionária pública aposentada e tenho a sobrevivência garantida até o fim dos meus dias. Não preciso da literatura pra viver. Aleluia!!!! E aí volta a pergunta: escrever pra quê mesmo? 

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eduardo-spohrHá uma clara divisão na literatura nacional. Enquanto a maior parte dos escritores se desdobra para que a venda de seus livros atinja o milhar, alguns raríssimos podem se gabar de centenas de milhares (ou até mais de um milhão) de exemplares vendidos. Muitos desses bestseller pertencem ao nicho da literatura fantástica, como é o caso do carioca Eduardo Spohr, autor de A batalha do Apocalipse, Filhos do Éden: herdeiros de Atlântida, Protocolo bluehand: Alienígenas ,Filhos do Éden: anjos da morte e A torre das almas e editor do blog Filosofia Nerd. Amado por milhares (ou milhões?) de fãs, defendido por Paulo Coelho e sustentando que a literatura deve ser analisada com o coração, Spohr falou com o Canto dos Livros. 

Canto dos Livros: Sobre seu primeiro trabalho, A batalha do Apocalipse, você já declarou que, devido à dificuldade em encontrar informações concretas durante a pesquisa, teve de criar uma “mitologia própria”. Tolkien talvez tenha sido o escritor que melhor desenvolveu este trabalho, criando um universo completamente novo. Quais foram as dificuldades encontradas nas pesquisas? Como foi criar uma mitologia própria? Em quais pontos foi bom ou ruim não ter algum embasamento prévio?

Eduardo Spohr:  Foi longo, porém mais fácil dos que as pessoas pensam porque eu já jogava RPG dentro desse universo, e tive anos para desenvolvê-lo. Então, a coisa aconteceu de forma orgânica e gradual. Quando comecei a escrever A batalha do Apocalipse, já tinha praticamente tudo pronto. O mais difícil, acredito, é manter a coerência com as “regras” estabelecidas para esse universo fantástico.

CdL: É comum vermos você falando de mitos. Conte-nos um pouco sobre a sua relação com a mitologia, com a obra de Joseph Campbell e o impacto que isso tem na sua escrita.

ES: Quando eu conheci Campbell, já tinha escrito o meu primeiro livro, mas o curioso foi ver que tudo o que ele falava, eu já tinha aplicado nas minhas histórias. Então, estudando mais sobre as teorias dele, eu entendi o porquê e comecei a desconstruir todo o processo.

CdL: Flertando com Campbell, de que forma um personagem deve ser construído para que desperte emoção no leitor?  Quais seus personagens mais amados? E os mais odiados?

ES: Bom, acho que acima de tudo o personagem deve ser crível. Como fazer isso? Cada escritor deve encontrar o seu caminho. No meu caso, não tenho personagens mais amados ou odiados. São todos como filhos (risos).

CdL: De que forma você enxerga a tradicional personificação do mal, na figura de um adversário – Diabo, Satã, Lúcifer ou equivalente? Sobre a responsabilidade do mal cometido pelos e sobre os homens, a quem ela recai?

ES: É uma forma de ver as coisas. De fato o mal existe dentro de nós, assim como o bem. Está nas nossas mãos escolher o que fazer: o certo ou o errado, geralmente sendo o errado mais tentador. Metaforicamente é uma alegoria poderosa.

CdL: Suas crenças religiosas ou espirituais interferiram na escrita de seu livros ou a escrita de seus livros interferiram em suas crenças?

ES: Não. O livro é 100% ficção, não há nada relacionado com as minhas crenças ou algo do tipo.

CdL: Além de livros, você produz bastante conteúdo das suas histórias em outros formatos, como podcasts e textos no blog. Como esses formatos te ajudam a construir sua obra e envolver os leitores?

ES: São materiais diferentes, na verdade. Não acho que exista grande influência dos podcasts, por exemplo, nos meus livros.

CdL: De que forma a interação online com seus mais de 30 mil fãs no Facebook e mais de 50 mil seguidores no Twitter exerce impacto na sua obra?

ES: Eu sempre fico de olho no que os leitores falam, e escuto suas críticas. Isso tem me ajudado muito a melhorar, tenho certeza.

CdL: Você demonstra desejo de compartilhar sua experiência como escritor aos novos talentos. Há, inclusive, um post no seu blog com inúmeras referências, podcasts e vídeos sobre o assunto. O que te motiva a estimular a nova geração? Quais foram seus maiores professores na profissão?

ES: Eu acho um barato que a galera curta meus livros e o meu trabalho. Então, quando me fazem perguntas sobre como escrever, eu tenho o maior prazer em ajudar, daí eu ter feito esse post. Meu principal mentor creio que foi o escritor José Louzeiro, uma pessoa que admiro muito.

CdL: Num mundo cada vez mais racional, pelos avanços da ciência e do conhecimento, a literatura de fantasia tem hoje um papel diferente do que tinha antes?

ES: Não. Acho que é o mesmo. O papel de reconstruir a nossa sociedade e nós mesmos de forma metafórica.

CdL: Você esteve na Feira de Frankfurt este ano. O que achou da participação do Brasil no evento e como encarou todas as polêmicas que a cercaram, principalmente a lista de autores levados pelo governo e o discurso do Luiz Ruffato na abertura?

ES: Frankfurt é muito corrido. É uma reunião atrás da outra, com editores, agentes, etc. Confesso que nem tive tempo de parar e nem de pensar nas polêmicas. Estava totalmente concentrado em apresentar meu trabalho aos editores internacionais. Vamos torcer para que dê certo.

CdL: Como é a receptividade das editoras internacionais pela literatura de fantasia brasileira? O país de origem influencia no interesse dos editores? 

ES: Creio que dependa do caso. Nos lugares onde meu livro já saiu (Alemanha, Holanda e Portugal), a recepção foi bem legal.

CdL: É nítido o amadurecimento no seu texto desde o primeiro trabalho até o mais recente, Filhos do Éden: Anjos da Morte. Além da evolução como escritor, o que acha que mudou nesse tempo? Como a mudança tem sido recebida pelos leitores?

ES: Muito obrigado. Bom, claro que eu tenho tentado melhorar. Os leitores parecem estar curtindo também, pelo feedback que estão me dando.

CdL: Sobre sua evolução, você já declarou que precisava melhorar nos diálogos. Esse é um dos pontos cuja diferença pode ser percebida se compararmos o seu primeiro e o terceiro romance. Para você, qual a importância desse recurso dentro do todo? Em que exatamente e quanto acha que melhorou nesse sentido? 

ES: Muito importante. É o diálogo que dá vida aos personagens. Não só ele, mas é uma parte importante, acredito. Eu não posso dizer que melhorei (isso é para o leitor avaliar), posso dizer apenas que me esforcei para tentar melhorar.

CdL: Sua obra alcançou um grande público no Brasil, tornando-se um bestseller. Você faz parte também da coletânea de contos Geração Subzero, que reuniu autores “esquecidos pela crítica”. Afinal, não estar nas críticas da grande imprensa faz falta para você? Qual é a real importância destas críticas?

ES: Para mim é mais importante a crítica do leitor. Mas acho que toda crítica, quando feita com respeito, é válida e nos ajuda a evoluir.

CdL: Na sua opinião, um livro deve ser analisado dentro do seu nicho específico ou comparado com tudo o que compõe a literatura? Em outras palavras, uma obra de fantasia deve ser analisada tendo somente Tolkien como parâmetro ou podemos colocá-la ao lado de Graciliano Ramos, por exemplo?

ES: Acho que deve ser analisado com o coração. Pelo menos eu faço isso, enquanto leitor. Obviamente, os críticos discordariam.

CdL: Levando em conta toda a literatura brasileira contemporânea, como sua obra se situa nela?

ES: Para mim, é difícil fazer essa auto-avaliação. Prefiro que o leitor o faça.

CdL: Fazendo um exercício de futurologia, daqui cem anos, quais dos escritores brasileiros atuais continuarão sendo lidos? Por quê?

ES: Impossível dizer. E qualquer resposta seria errada. Prefiro não arriscar (risos).

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Crédito da foto: Renato Parada

Crédito da foto: Renato Parada

Antonio Prata está em evidência. Na mesma semana do lançamento do seu novo livro, Nu, de botas, no início deste mês, envolveu-se em uma polêmica por conta do texto “Guinada à direita“, publicado na Folha de São Paulo, jornal onde é colunista. Alguns não entenderam sua suposta mudança de posição ideológica, e outros, pior, aplaudiram de pé o texto que precisou ser esmiuçado no domingo seguinte para que maus entendidos (ou entendedores?) fossem resolvidos. Autor de obras como Douglas, As pernas da tia Corália, Adulterado, Felizes quase sempre e Meio intelectual, meio de esquerda, foi um dos integrantes da edição da revista Granta com os melhores jovens escritores brasileiros e ajudou a escrever a novela Avenida Brasil. Além disso, informação importante, fabrica cervejas em sua própria casa. Falou de todos esses assuntos nesta entrevista que fizemos com ele (e de futebol também!).

Canto dos Livros: Como anda a vida depois da guinada à direita?

Antonio Prata: Muito mais tranquila. É bem mais fácil ser de extrema direita do que ser meio de esquerda. Você não precisa se preocupar com a pobreza – é culpa dos pobres – nem com a desigualdade – cada indivíduo é diferente do outro. Você pode fazer piadas racistas, machistas e homofóbicas e pagar de vanguardista. Ser de esquerda dá muito trabalho. Você está sempre sofrendo. Direita é paz de espírito. (RISOS – é sempre bom frisar…)

CdL: Ficou muito surpreso com a reação das pessoas a esse seu texto? Pensou que haveria tanta gente se identificando com o discurso e incapaz de perceber a ironia?

AP: Fiquei. Eu escrevi tantos absurdos no texto que jamais pensei que alguém pudesse levá-lo ao pé da letra.  Afirmava que José Maria Marin e Marco Feliciano eram de esquerda, que o “poderoso lobby dos antropólogos” havia transformado toda a área cultivável do Brasil em reserva indígena, que os negros estavam no poder, escanteando os brancos…

CdL: Na quarta capa de Nu, de botas está escrito que no livro “Antonio Prata revisita as passagens mais marcantes de sua infância”. Nessas revisitas você foi fiel à sua memória ou você criou histórias – ou detalhes – em cima daquilo que lembra da sua infância? Você realmente deixou de ganhar uma bicicleta do Bozo porque não sabia qual era o seu endereço?

AP: Olha, não dá pra chamar memórias de outra coisa senão de ficção, esse é um primeiro ponto. A memória é sempre uma história editada, reescrita no nosso cérebro. Às vezes (não poucas) é até inventada do zero. Memórias tão antigas, então… Eu não poria a mão no fogo por nada do que está no livro, se tivesse que testemunhar num tribunal quanto à veracidade. Ou seja, mesmo o que eu acho que aconteceu, não sei se aconteceu mesmo (ou se foi do jeito que lembro). Já certas histórias ou pedaços delas eu realmente inventei, para melhorar os enredos ou preencher brechas. A história da bicicleta eu trago na lembrança exatamente do jeito que escrevi. (Mas duvido que tenha acontecido: você acha que o Bozo ia conversar com um moleque de 5 anos depois do programa? E que ia se propor a dar uma bicicleta, do nada? Estranho.)

CdL: Como foi escrever esse livro?

AP: Foi legal. E cansativo, como sempre é a escrita.

CdL: É raro vermos crianças sendo bem retratadas na literatura e em Nu, de botas, você consegue captar bem o contraste entre a diferença de olhar, raciocínio e pensamento entre uma criança e um adulto. Como conseguiu isso? Tentativa e erro, estudos sobre a infância, convivência com crianças, boa memória dos primeiros anos de vida?

AP: Agradeço o elogio. Eu tentei criar as histórias a partir das memórias. E as memórias já tinham uma certa linguagem, um certo estilo de narrativa. O que tentei fazer foi ser fiel a esse estilo. Agora, se é assim que uma criança pensa (ou que eu pensava), já não sei. Mesmo esse elogio é o elogio de um adulto, alguém que, como eu, já não sabe mais o que passa pela cabeça das crianças. É igual filme de época. Você assiste Gladiador ou Spartacus e diz “nossa, eles recriaram direitinho a vida em Roma!”: mas quem é que sabe como era exatamente a vida em Roma?!

CdL: Ainda sobre a técnica de narrar histórias sob a perspectiva de uma criança, é uma questão da habilidade de bons escritores (como Bill Waterson e Neil Gaiman, para ficar em dois exemplos), ou há algum macete que facilite a tarefa?

AP: Pois então, são recriações, né? Pra começar, se eu quisesse ser realmente fiel ao pensamento das crianças, teria que restringir meu vocabulário a duzentas palavras, não poderia fazer frases longas nem conjugar direito os verbos. Eu tentei esse caminho quando comecei a escrever o livro, ficou ridículo. Experimentei alguns caminhos antes de chegar no que está publicado.

CdL: O Nu, de botas foi lançado junto com o Ligue os pontos, do Gregório Duvivier, em uma espécie de balada. De onde surgiu essa ideia? Como foi a experiência de aproximar dois universos tão distintos, a balada e a literatura?

 AP: A ideia foi da editora e eu achei ótima, porque sou fã do Gregório (embora não o conhecesse pessoalmente). Mais do que pela balada, o lançamento foi legal porque teve um bate-papo entre o Gregório e eu e leitura de trechos dos livros. Quanto à balada, propriamente, lamento dizer que eu tava tão exausto depois de tudo que nem consegui chegar à pista de dança. (Subir num palco e falar em público não é muito aterrorizante, pra mim. Aterrorizante são os sete dias e as vinte e quatro horas antes de subir no palco e falar em público…).

CdL: Você começou a publicar seus textos em veículos de comunicação bem jovem. De lá até hoje, como tem acompanhado as mudanças na imprensa? Como enxerga o futuro dela?

AP: Cara, quem souber responder essa pergunta ou é um gênio ou tá mentindo… 

CdL: Avenida Brasil foi uma das novelas mais elogiadas dos últimos anos, principalmente por causa de seu roteiro. Como foi fazer parte da equipe que escreveu essa novela? Como o trabalho era dividido? Quais eram as suas funções?

AP: A história é criada pelo autor principal, João Emanuel Carneiro. Todo dia ele faz uma escaleta, um resumão bem detalhado do capítulo e manda pros quatro colaboradores. Na escaleta, já vem apontado qual colaborador pegará quais cenas. A gente faz basicamente diálogos. Daí manda pra ele, ele dá um tapa final e manda pra ser filmado.

Foi demais participar dessa novela, por várias razões. Primeiro, por trabalhar com o João Emanuel, um escritor talentosíssimo e generoso, com quem aprendi muito. Também pela graça de escrever um troço que metade do país tá assistindo e comentando. Sem falar na alegria que é ver o diálogo que você escreveu sair da boca de alguns dos melhores atores do Brasil. (Em vários casos, aliás, melhorado por eles).

CdL: Ainda sobre a novela, você teve alguma participação nas hilárias cenas que o Tufão aparecia lendo A interpretação dos sonhos, de Freud (e o chamava de Fred), Mar morto, do Jorge Amado (para o Leleco dizer que nem sabia que o mar tinha vida para morrer) e O idiota, do Dostoievski (para o mesmo Leleco dizer que idiota mesmo era o Tufão)? Como foi a recepção para essas, digamos, intervenções? Como o pessoal da Globo as recebeu?

AP: Olha, quem mandava nas leituras do Tufão era o João Emanuel.

Não vejo essas citações como intervenções. Fazia sentido a Nina incentivar o Tufão a ler, como parte da “recuperação” que ela estava promovendo ali. E havia algumas piscadelas pro público, também. O primeiro livro que ela deu pra ele, se não em engano, era o Primo Basílio, que tinha não só o tema da traição como a inversão de papéis entre patroa e empregada, que se daria entre Nina e Carminha lá pelo capítulo cem. 

CdL: Seu pai, Mário Prata, o influencia como escritor?  Há ou houve alguma cobrança – sua, dele, da crítica ou dos leitores – pelo parentesco? Houve algum conflito íntimo quando você decidiu que seria escritor, como querer se diferenciar do estilo dele? 

 AP: Eu sempre digo que influência é uma palavra leve demais para definir o quanto a presença de um pai determina os caminhos de um filho. Mais do que me influenciar, ele me deu vinte e três cromossomos, me ensinou a andar, a falar, etc. Ou seja: sem dúvida “influenciou” muitíssimo minha escolha na profissão.

No começo havia a desconfiança de algumas pessoas, sim, mas com o tempo isso ficou pra trás. Ser filho de um escritor sem dúvida me abriu muito mais portas do que criou cobranças.

Não acho que eu tenha querido me diferenciar do estilo dele. Nossas disputas edípicas se deram em outros campos que não nas páginas

CdL: Como parte do time, o que você tem a dizer sobre o vexame brasileiro em Frankfurt? Perder de 9X1 não foi um pouco demais?

AP: Cara, pegue dezesseis escritores brasileiros que treinaram juntos duas vezes na vida no Playball da Barra Funda (nunca os onze do mesmo lado, só seis contra seis) e ponha pra jogar contra um time de quarenta alemães que treinam desde 2005. Ponha num campo oficial, a quatro graus, com garoa fina. Acho que 9X1 foi praticamente um empate.

CdL: Você também faz cerveja em casa. Há alguma forma de se relacionar a literatura com a cerveja caseira?

AP: Os textos dá pra consertar o tempo todo, dá pra mexer, remexer, cortar, remendar. Cerveja, se você cometer um errinho, vai tudo pro lixo. Ou melhor, pra pia.

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entrevista_desenhoNesses mais de quatro anos de Canto dos Livros, as entrevistas que procuramos fazer mensalmente se tornaram um dos principais diferenciais do blog. Por isso, resolvemos reunir os links de todas as conversas que tivemos com pessoas do meio literário em um só post. Abaixo, trechos de dez delas e, em seguida, uma relação com todos aqueles que já falaram conosco. Para ler uma entrevista na íntegra, basta clicar sobre os nomes dos entrevistados. Divirta-se!

“Perceber o mundo como um morador local o percebe é fundamental para escrever com realismo e convencer o leitor de que ele está entrando num mundo especial, diferente do seu dia-a-dia” – Airton Ortiz

“Adoro o cotidiano mais prosaico, um ponto de ônibus, um sofá com televisão, um almoço qualquer” – Andréa del Fuego

“Por mais interessantes e diferentes que tenham sido as experiências que vivi durante a viagem, tenho escolhido não estacionar em vida nenhuma. Isso não quer dizer viver superficialmente, à deriva, do tipo ‘pra onde me chamar eu vou’. É, na verdade, uma tentativa de se manter aberto, receptivo às novidades” – Antonio Lino

“Toda narrativa pública transporta implicitamente uma visão de mundo, contribuindo ou para manter o grau de consciência do leitor num nível muito baixo de entendimento da realidade, ou ajudando-o a despertar para uma visão transformadora, que não termina no ângulo puramente derrotista, negativista” – Edvaldo Pereira Lima

“Geralmente, há uma esnobação equivocada que cerca a ficção. Eu adoro belos romances, mas a verdade é que genialidade na ficção é rara e a vasta maioria dos autores que se empenha em fazê-lo acaba produzindo uma bobagem banal” – Jeremy Mercer

“A ficção é parte do real, não se opõe a ele; não é o oposto da verdade. A ficção é um modo de se tornar visíveis relações constitutivas do real” – José Luiz Passos

“Sinto que todo escritor sofre de uma hipermetropia: pode enxergar bem a obra dos outros, à distância, mas a sua própria sempre aparece aos seus olhos imprecisa e turva” – Julián Fuks

“Acho que no geral há uma possibilidade razoável de nos próximos anos termos bons livros para ler. No entanto, parece-me que boa parte da produção ainda reproduz – sem criticar ou, ainda pior, aderindo ao que há de pior no Brasil. Digamos que estamos diante, se formos falar no geral, de uma produção amena e edulcorada” – Ricardo Lísias

“O que mais me incomodava, além dos entraves burocráticos, era a minha completa inaptidão para conversar com as pessoas. Às vezes eu ficava em silêncio ao lado de algum entrevistado vendo os ônibus passarem, por puro pânico e falta de perguntas. Isso às vezes era uma vantagem, porque o sujeito acabava falando qualquer coisa que lhe viesse à mente” – Vanessa Barbara

Alex Robinson

Augusto Paim

Bernardo Carvalho

Claudio Brites

Cristina Cezar

Eric Novello

Felipe Pena

Ferréz

F. T. Farah

Lehgau-Z Qarvalho

Marcelo Maluf

Monica Martinez

Nazarethe Fonseca

Nelson Magrini

Paulão de Carvalho

Reinaldo Moraes

Renato Modernell

Tatiana Salem Levy

Xico Sá

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bernardo carvalhoDesde sua estreia em 1993, com Aberração, Bernardo Carvalho já publicou outras dez obras e se tornou um dos escritores mais prestigiados do país. Dentre seus trabalhos merecem destaque títulos como Mongólia, Onze, Nove noites e O filho da mãe, que integra a polêmica coleção Amores Expressos, da Companhia das Letras. Reprodução, o livro mais recente do autor, foi lançado neste segundo semestre de 2013 e apresenta um estudante de chinês envolvido em um enorme imbróglio no aeroporto horas antes de embarcar para a sonhada viagem à China. Por conta deste novo trabalho e da importante carreira que o Canto dos Livros entrevistou Bernardo Carvalho. 

CdL: É de se imaginar que para escrever Reprodução você tenha navegado bastante por sites de notícias e blog para ler os comentários dos internautas. Ao ler esses comentários – muitas vezes reacionários e racistas, como o personagem principal da obra –, qual era o seu sentimento? 

Bernardo Carvalho: Não li muitos comentários. Nem naveguei muito para poder escrever o livro. Como é tudo mais ou menos igual, basta ler alguns pra entender como a coisa funciona.

CdL: Apesar do tamanho, Reprodução tem uma estrutura que em muitos momentos se assemelha ao conto ou à novela. Contudo, ainda não existe uma definição clara do que seja um conto, uma novela e um romance. Para você, como esses gêneros são caracterizados? 

BC: Você vai achar as definições clássicas dos gêneros nos manuais literários. Pra mim, interessa embaralhar os gêneros. Mas acho que esse livro tem um espírito mais teatral do que qualquer outra coisa.

CdL: Em certo momento, Reprodução também é um livro que fala sobre o domínio que determinadas línguas exercem sobre outras. A passagem que trata das línguas que morrem chega a ser comovente. Qual a sua relação e interesse pelas línguas, sejam elas dominantes ou à beira da morte? 

BC: O desvio me interessa. O desvio da regra, a diferença, a exceção, a resistência ao hegemônico etc. Nesse sentido, as línguas em vias de extinção são chaves pra mundos alternativos, que estão se perdendo. Com o desaparecimento das línguas, o mundo também se estreita.

CdL: É cada vez mais evidente a maneira truculenta como policiais costumam tratar qualquer tipo de suspeito. Não seria mais plausível se o delegado que interroga o “estudante de chinês” desse um tapa na orelha do interrogado e mandasse ele apenas responder objetivamente as perguntas feitas? 

BC: Os personagens literários mais interessantes são aqueles que não correspondem às expectativas do leitor.

CdL: O protagonista de Reprodução parece só ouvir as pessoas quando aparentemente aumentam a voz ou quando não há mais nada para ser feito além de escutar uma conversa. É uma forma de mostrar que estamos cada vez mais preocupados em falar e menos dispostos a ouvir? 

BC: Não sei. É uma característica do personagem.

CdL: O final de Reprodução é forte e emblemático. Você é um crente, um otimista? 

BC: O final é trágico e triste. Crente, eu não sou. Acho que oscilo entre fases de otimismo e pessimismo.

CdL: Em entrevista recente, ao comentar sobre a banalização promovida pela internet, você destacou o narcisismo, e a maneira perversa pela qual ele pega as pessoas que escrevem ali, para qualquer audiência, lhes dando a ilusão de que são celebridades. Por outro lado, os romancistas costumam ter um forte componente narcisista, a serem bajulados pelos leitores e editoras, tanto mais quanto maior seja a projeção e o potencial comercial de suas obras, importando pouco a qualidade literária dela. No seu caso, escritor há 20 anos e consagrado, reconhece em você ou na sua obra indícios deste mesmo narcisismo? Concorda com o diagnóstico de alguns especialistas, de que a atual literatura brasileira é em grande parte feita com narrativas em primeira pessoa, confessionais e também narcisistas? 

BC: O narcisismo está em todo mundo. Faz parte do humano. Há gradações, claro, e maneiras diferentes de lidar com o narcisismo. Mas acho pobre pensar que uma narrativa em primeira pessoa é sinal de narcisismo do autor. É não ter entendido absolutamente nada do que é literatura.

CdL: Em uma resenha para O Globo, Beatriz Resende, professora da UFRJ, diz que você “confirma sua versatilidade como escritor que foge da zona de conforto”. É possível fazer arte permanecendo na zona de conforto? 

BC: Não há regras em literatura e arte. O conforto me incomoda, mas é o meu caminho. Não sou modelo pra ninguém.

CdL: O discurso de Luiz Ruffato na abertura da Feira de Frankfurt tem dividido opiniões no meio literário. Qual sua opinião sobre as colocações do autor? 

BC: Gostei do discurso dele.

CdL: Como foi a sua participação na Feira de Frankfurt? O que achou da seleção de escritores?

BC: Senti falta do Rubens Figueiredo e do Reinaldo Moraes [que já foi entrevistado pelo Canto e cujas respostas guardam certa semelhança com as de Bernardo]. Não sei se não foram convidados o se não quiseram ir.

CdL: Ainda sobre a feira, na oportunidade João Paulo Cuenca, Paulo Lins e Luiz Ruffato iniciaram um abaixo assinado apoiando a greve de professores do Rio de Janeiro e repudiando a violência policial. O que você achou desse manifesto? Na sua visão, qual é o papel de um escritor diante de reivindicações contemporâneas, como essa e tantas outras levantadas recentemente no Brasil? 

BC: Não conheço ninguém que seja contra a democracia e a educação, e a favor da truculência policial.

CdL: Alguns acham que a Literatura tem papel específico, outros, que ela pode ser uma agente de mudanças profundas. Entre estes dois pólos, onde você se situa? 

BC: Entre os dois. Nos dois.

CdL: Recentemente, a discussão sobre as biografias não autorizadas ganhou força novamente com a posição do Procure Saber, encabeçado por Paula Lavine. Tanto como escritor quanto personalidade pública, qual sua posição sobre isso? 

BC: A favor da liberdade de expressão.

CdL: Hoje em dia, ante as facilidades em se publicar, mas também ante a enorme concorrência, qual(is) atitude(s) aconselharia para novos escritores? O que eles devem enfatizar? 

BC: Cada um deve levar seu projeto literário e suas diferenças até as últimas consequências.

CdL: O humor tem qual espaço na sua obra? Se fosse defini-la em uma característica, qual seria?  

BC: Geralmente, o humor não está muito aparente no que eu escrevo. O Reprodução é uma exceção.

CdL: Após 20 anos de sua estreia como escritor, como você olha para sua própria obra?

BC: Fiz o que deu pra fazer.

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Tatiana Salem LevyTatiana Salem Levy nasceu em Lisboa, ainda jovem mudou-se para o Rio de Janeiro e agora passa uma nova temporada em terras portuguesas. Estreou como escritora com A chave de casa, de 2007, que venceu o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria “romance de estreia”, já foi publicado na Espanha, França, Itália, Portugal, Romênia e Turquia e agora está sendo vertido para o inglês. Dois rios, seu outro romance, foi publicado em 2011 – sim, ela não tem pressa para despejar novos títulos no mercado.

Além disso, Tatiana já organizou e participou de coletâneas de contos (está presente na Granta com os melhores jovens escritores brasileiros, por exemplo) e publicou ensaios que surgiram de suas pesquisas acadêmicas (a moça é doutora em estudos da literatura pela PUC-RJ). Nessa conversa com o Canto dos Livros, falou do seu moroso processo de produção, o atual momento da literatura no país e um pouco de sua obra. Confira:

Canto dos Livros: Passado mais de um ano da publicação da Granta com os melhores jovens escritores brasileiros, como você avalia a sua participação na revista? Qual a importância dela? Houve algum retorno perceptível além do estardalhaço causado no meio literário à época do lançamento? 

Tatiana Salem Levy: A Granta ter feito um número com jovens escritores brasileiros significa que há um interesse crescente pela nossa literatura, o que é positivo para todos nós, para os que estavam e para os que não estavam na revista. O mercado estrangeiro nunca se mostrou tão aberto a ler os autores brasileiros, a traduzi-los. O meu primeiro livro, por exemplo, já saiu em seis países e agora, graças à Granta, vai sair também em inglês – isso, quinze anos atrás, era impossível. Portanto, além do estardalhaço, que é chato, mas inevitável, acho que a gente só saiu ganhando com a publicação da Granta.

CdL: O escritor Luiz Antonio Assis Brasil vê como marca predominante nesta geração de jovens escritores a escrita em primeira pessoa: “É quase hegemônico de uns 15 anos para cá. É uma literatura muito confessional”, diz. Concorda com esta análise? 

TSL: Mais ou menos. Uma marca que a literatura atual não tem é a hegemonia. Há, sim, uma tendência à escrita em primeira pessoa, mas acho que também há uma tendência a se escrever em terceira, a uma prosa mais realista. Acho que há uma diversidade grande no que diz respeito à forma e aos temas. E não acho que a literatura em primeira pessoa seja necessariamente confessional, acho que há, antes, uma tendência a se jogar com isso, brincar com as fronteiras entre o biográfico e o fictício.

CdL: Dessa nova geração de escritores brasileiros, quais obras e autores você destaca? Por quê? 

TSL: Não me sinto numa posição confortável para destacar nenhuma obra nem autor da minha geração. Acho que esse papel não cabe a mim. Posso dizer que gosto muito do trabalho do Daniel Galera, do Michel Laub, da Carola Saavedra, entre outros, mas isso é meu gosto pessoal. Até porque acho que ainda é muito cedo para definir quem são os mais importantes.

CdL: A maior proximidade dos autores, com seus perfis em redes sociais, é uma realidade. Você sente esta proximidade? Em que medida isto te afeta? 

TSL: Não sinto mais nada disso, porque saí do Facebook e nunca tive Twitter. Posso apenas dizer que receber mensagens de leitores no Facebook era uma das poucas coisas boas de se estar lá.

CdL: Você não parece preocupada em lançar uma obra atrás da outra em um curto espaço de tempo. Seu processo de escrita é muito lento? Como ele funciona? 

TSL: Sim, bastante lento. É engraçado, porque cada vez que vou começar um livro, que tenho uma ideia e penso na estrutura narrativa, eu me digo: desta vez vai ser fácil, é só sentar e escrever. Mas nunca é só sentar e escrever. É como se a escrita de um livro não me ensinasse quase nada sobre o processo de escrita, como se eu tivesse que reaprender a cada livro. Num certo sentido é como partir do zero, e eu até gosto desse frescor. Mas também é difícil, porque inevitavelmente chega um momento em que eu digo: está tudo uma merda. Faz pouco tempo joguei 150 páginas fora. No fim, parece que foi fácil, mas nunca é. Eu poderia dizer que se escrevo uma página por dia posso ter um romance por ano, mas não é bem assim, porque a gente nunca conta as páginas que foram pro lixo, e a verdade é que elas são fundamentais. Além disso, tem o tempo de ruminação, eu fico ali com cada romance, cada história, ruminando, mudando pequenas coisas aos poucos, até conseguir ficar satisfeita e decidir publicá-lo.

CdL: Em uma entrevista para a Saraiva, você disse não gostar muito do termo autobiografia, prefere falar de memória. Pra você, quais as diferenças entre os dois termos (ou gêneros)? 

TSL: Já não me lembro em que contexto eu disse isso, de qualquer forma eu nunca escrevi nem uma autobiografia, nem uma memória. Talvez eu estivesse falando sobre a memória na A chave de casa, de que forma eu trabalhei com essa questão, porque a memória é um dos tópicos cruciais do romance. Mas eu não devia estar falando da minha memória ou da memória da minha família (se estava, já mudei de ideia, até porque essa entrevista tem tempo, e eu mudo de ideia constantemente), e sim do próprio trabalho da memória, do fato de ela nunca ser redonda, fechada. A chave de casa tem uma narrativa que funciona como pequenos flashes, que brinca o tempo todo com a incerteza, com as contradições, com a interpretação – tal como e a memória.

CdL: Independente do termo que usemos, sua obra está bastante atrelada ao seu passado e ao passado da sua família. Como os seus familiares costumam receber os seus livros? 

TSL: Eu não diria que a minha obra (se é que tenho uma) esteja bastante atrelada ao meu passado e ao passado da minha família. A chave de casa, sim, mas meus outros livros (meu segundo romance, o ensaio e o infantil), não. Então, só vou responder essa pergunta em relação ao primeiro livro. É verdade que houve uma expectativa da minha família em torno do romance, porque eles achavam que veriam a história da família retratada. Alguns dos meus familiares ficaram frustrados, justamente porque eu não conto nada da história dos meus antepassados. Tirando o fato de que vieram da Turquia, nada aconteceu na realidade, a história do passado do avô da personagem é completamente ficcionalizada. Mas no fundo, a questão é: que importância isso tem? Que diferença faz se eu falo de coisas que aconteceram ou não? O que vale é o leitor acreditar no que lê. Se aconteceu ou não, isso não faz diferença. O que define um romance é a forma com a qual a história é narrada, e não aquilo que é narrado.

CdL: Tendo organizado a coletânea Primos, com histórias de autores brasileiros descendentes de árabes e judeus, como você analisa a produção literária (de qualquer canto do mundo) que reflete a conturbada relação entre esses dois povos? 

TSL: Eu e a Adriana Armony quisemos organizar esse livro para mostrar como a convivência entre árabes e judeus não apenas é possível, como existiu ao longo dos séculos e ainda existe hoje em muitos lugares, tanto na diáspora quanto em Israel e na Palestina. Eu tinha acabado de fazer minha primeira viagem a Israel, e tinha voltado muito espantada (positivamente) com a semelhança entre os dois povos. São mesmo primos, em termos culturais e geográficos, mas vivem em guerra há algumas décadas.

A nossa ideia era, num certo sentido, promover uma espécie de paz literária, apontar para as semelhanças desses povos. Agora, analisar a produção literária de qualquer canto do mundo que reflita essa relação, sinceramente, não me sinto apta a isso. A nossa vontade era apenas a de mostrar para um público brasileiro o diálogo possível, e existente, entre árabes e judeus.

CdL: Você participou da coletânea 25 mulheres que estão fazendo a nova Literatura Brasileira, organizada por Luiz Ruffato. Pois bem. A desigualdade enraizada no tratamento dispensado a homens e a mulheres, quando no mesmo ofício, é um fato. Por outro lado, a boa literatura independe absolutamente do gênero de seu autor. Assim sendo, na sua opinião, iniciativas como estas, de reunir mulheres escritoras, auxiliam na quebra destes preconceitos enraizados ou apenas os reforçam?   

TSL: Movimentos como este são fundamentais. O Ruffato organizou essa antologia porque no livro Geração 90: Manuscritos do computador havia apenas uma mulher, a Cintia Moscovich. Ele quis mostrar como havia muitas outras escrevendo, daí o livro.

Antigamente, eu achava que as mulheres, no meio artístico e intelectual, já tinham conquistado o seu espaço, mas na prática fui vendo que não é bem assim. Parece que a mulher ocupa uma espécie de cota pré-definida. Quando jornais e revistas fazem um balanço, por exemplo, dos 10 melhores livros do ano ou da década, normalmente há apenas uma ou duas mulheres. Se você ver os finalistas dos prêmios mais importantes, é a mesma coisa. Eu tenho viajado muito para participar de festivais literários, e o mesmo ocorre, sempre mais homens do que mulheres. Até na Granta, são 14 homens para 6 mulheres.

Se de fato houvesse mais homens do que mulheres escrevendo, eu entenderia. Ou se a qualidade dos textos dos homens fosse superior à dos textos das mulheres, eu também entenderia. Mas não é o caso. Portanto, cheguei à conclusão de que nem mesmo no meio artístico e intelectual a luta pelo espaço da mulher chegou ao fim.

Não se trata de defender uma literatura feminina – não acredito em tal coisa –, mas sim de eliminar a desigualdade entre homens e mulheres.

CdL: Testemunhamos recentemente um engajamento de cidadãos, com participação maciça dos jovens, em manifestações de protesto pelo Brasil. O que pensa a respeito? Qual colaboração uma escritora e sua obra podem legar para este público? 

TSL: Achei maravilhoso o engajamento da população brasileira para lutar pelos seus direitos. Estou passando um tempo em Portugal e, por esse motivo, infelizmente, não pude participar das manifestações. Se estivesse no Brasil, certamente teria ido. Manifestações são um momento de explosão de vitalidade, de se sentir vivo e lutando por um mundo melhor. A nossa tradição não é muito a de ir para a rua, né? Então, acho fantástico que tanta gente tenha se manifestado, e espero que o Brasil continue a ser um país assim, que luta pelos seus ideais.

Quanto ao legado de uma escritora e sua obra para isso, nem sei se há. Na verdade não acho que exista algo como “esse público” num sentido homogêneo. O público é sempre muito variado. A literatura transforma as pessoas aos poucos e, com isso, vai transformando o mundo, mas uma coisa assim imediata, acho que os cronistas dos jornais, os antropólogos, por exemplo, têm um papel mais eficaz nesse sentido.

CdL: Como o Canto dos Livros, muitos outros blogs de literatura produzem suas resenhas e críticas às obras publicadas no Brasil. O que acha desta tendência? Poderia citar aspectos positivos e negativos dela?  

TSL: Acho esta tendência ótima. Quanto mais gente houver dando suas opiniões, escrevendo sobre literatura, melhor. Desde que os textos sejam assinados, claro. A melhor coisa da Internet é a possibilidade de divulgação dos textos de qualquer um, a abertura e a circulação da informação.  A pior é o anonimato. Uma pessoa sem nome não precisa se defender, e pode atacar usando os golpes mais baixos e rasos, sem profundidade, um ataque que vale só pelo ataque mesmo, muitas vezes velando um mero ressentimento.

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ftfarahComo jornalista, Fábio Farah já foi repórter de uma revista semanal, editor de turismo em portal de Internet e coordenador de redação em emissora de tevê, além de crítico gastronômico e de vinhos – e ainda está com 36 anos. Já assinando como F. T. Farah, o paulistano é autor de livros infanto-juvenis e do romance A Outra Face de Deus (já resenhado aqui no blog). Este romance é o primeiro de uma trilogia, cujo segundo volume está sendo desenvolvido e, se tudo correr conforme previsto, chegará às livrarias no segundo semestre de 2014.

Nesta entrevista, Farah fala sobre sua obra, revela o novo contrato com a editora Geração Editorial (divulgando em primeira mão que serão republicados os dois livros iniciais de sua série “Clube dos Mistérios”, com lançamento do primeiro livro já em novembro, em formato de e-book) e comenta sobre a “pesquisa de campo” para escrever a respeito do Diabo. Confira:

Canto dos Livros: Há um ano você deixou a editora Papagaio e assinou com a Geração Editorial. Por que essa troca?

F. T. Farah: Os editores da Papagaio, Denise e Sérgio Pinto de Almeida, foram os primeiros a apostar em minha carreira de escritor. Eles aprovaram a coleção Clube dos Mistérios, composta por cinco livros juvenis, e publicaram o primeiro, O Enigma das Estrelas, em 2005. O segundo, A Diversão dos Mortos, saiu três anos depois. Quando recebi a proposta da Geração Editorial para a aquisição da série, conversei com meus primeiros editores e, consensualmente, rescindimos o contrato. Uma editora maior, e com mais recursos, tem mais chances de alavancar comercialmente a coleção.

CdL: Como é a sua relação com as editoras?

F.T.F: A relação com as editoras é ótima quando elas valorizam o autor. Isso significa respeitar não apenas suas opiniões durante o processo de edição, mas também o que ocorre quando o livro chega ao mercado. E um dos pecados mais graves é não pagar os direitos autorais. Felizmente, em minha jornada, as experiências positivas superam as desilusões.

CdL: Ainda sobre a troca de editoras, na nova casa você lançará uma versão ampliada do seu primeiro livro, O enigma das estrelas. Do que trata essa ampliação? Uma simples extensão da história?

F.T.F. Se um autor disser que gosta de reler seus livros, provavelmente estará mentindo. Sempre encontrará palavras que se encaixarão melhor em uma descrição, diálogos que soarão melhor de outra maneira. Quando surgiu a oportunidade de reeditar meu primeiro livro em outra casa, resolvi revisitá-lo. Para respeitar meus primeiros leitores, não mudei o fio condutor da trama. Mas mudei palavras, aprimorei diálogos e, sobretudo, procurei construir uma narrativa mais ágil, com histórias paralelas, novos enigmas e personagens surpreendentes.

CdL: Como você aprendeu a escrever para o público infanto-juvenil? De que forma compreendeu seus interesses, desejos, anseios, para criar histórias que despertassem sua atenção?

A resposta a essa questão é simples e complexa ao mesmo tempo. Excetuando-se alguns prodígios, os autores que escrevem histórias infanto-juvenis já foram crianças e adolescentes. Os sentimentos e as percepções daquela época permanecem guardados. O primeiro passo é resgatá-los. Geralmente quando isso acontece, costumamos descartá-los como “bobagens” de uma época passada. O segredo é deixar o adulto de castigo por alguns instantes e conversar com as crianças como uma criança e com os adolescentes como um adolescente.

CdL: Qual a sua opinião sobre a Educação, atualmente, no Brasil? Como escritor de livros infanto-juvenis, qual acredita que seja o papel da literatura na formação de crianças e adolescentes?

A literatura é fundamental na educação de crianças e adolescentes. Mas não acredito que ela contribua apenas para a formação humanística. Acredito que ela desempenha um papel primordial no desenvolvimento de certas áreas cerebrais. Se elas não forem exercitadas, crianças serão prejudicadas pela vida inteira. Neste sentido, o problema da educação básica brasileira – e aqui cabe uma generalização – é não incentivar o interesse pela leitura, mas apresentá-la como algo enfadonho. E isto afasta as pessoas. O reflexo pode ser facilmente contabilizado pelo número de livros, em média, que o brasileiro lê por ano. Às vezes, a educação familiar consegue preencher esta lacuna. Mas, se os pais cresceram sem dar importância à leitura, dificilmente conseguirão criar filhos leitores. É um ciclo vicioso.

CdL: Como foi a transição de publicar livros infanto-juvenis e infantil para o romance A outra face de Deus?

Não foi propriamente uma transição. Antes de publicar histórias infantojuvenis, já tinha esboçado um romance adulto. O ponto-chave é despertar o interesse de seu público-alvo. Para as crianças, como eu disse anteriormente, é preciso dialogar de igual para igual. É preciso, por exemplo, se divertir diante de coisas que soariam banais para um adulto. As crianças se divertem quando leem o título de meu primeiro infantil, Pum de Peixe. Para os adolescentes, é preciso compreender os conflitos próprios da época, como os batimentos cardíacos após o primeiro beijo. Escrever para diferentes faixas etárias é a capacidade para transitar dentro de si mesmo.

CdL: A trama do livro A outra face de Deus parece beber de várias fontes, de literatura a quadrinhos, passando por cinema e religião. Quais foram as influências mais determinantes na obra? Quais outras influências te inspiram a escrever?

A Outra Face de Deus bebe, sim, de várias fontes. E elas não se resumem somente a outras obras literárias.  Falar sobre influências determinantes nunca é fácil. No caso específico de A Outra Face de Deus, tentarei resumir. Ela sofre a influência de best-sellers contemporâneos, como Dan Brown – na forma de encadear a trama – e Stephen King – no suspense permeado por toques sobrenaturais -, além de outros que se tornaram clássicos, como sir Arthur Conan Doyle e G. K. Chesterton. Eles criaram detetives fascinantes. Mas essa história também é influenciada por obras canônicas, como A Tempestade, de Shakespeare, utilizada na trama, e O Apocalipse de São João. Também me inspiro em textos medievais, sobretudo os que revelam profecias misteriosas, além de guias de viagem. E, como afirmado, cinema. Para citar alguns filmes: O Bebê de Rosemary e O Último Portal, ambos dirigidos Polanski. E, claro, quadrinhos, música, obras de arte, manuais de ocultismo…

CdL: O livro mostra um extenso trabalho de pesquisa. Quanto tempo levou entre imaginar a história, levantar informações e dar forma final a tudo isso? Como se deu esta jornada?

A trama se desenvolve na cabeça do autor, mesmo que ele não esteja plenamente consciente disso. E o processo varia de história para história. Para compor uma ficção, a mente se apropria de lugares pelos quais passou, lugares pelos quais gostaria de ter passado, histórias reais ou imaginárias, detalhes que, em algum momento da vida, despertaram sua atenção. É um processo contínuo. No meu caso, imagino histórias o tempo inteiro, de livros infantis a romances adultos. Mas escrever uma história envolve mais do que imaginá-la. É um trabalho exaustivo que requer inúmeras pesquisas adicionais. Ao sentar para escrever A Outra Face de Deus, a linha principal da história já existia. Entre pesquisar, escrever e revisar, contabilizaria dez meses.

CdL: O personagem Diabo sempre fascinou a literatura ocidental. Muitas obras recentes tem repensado seu papel, humanizando-o. Já no seu livro, o personagem equivalente se assemelha mais ao clássico. Como se deu a construção dele?

O Diabo é um personagem bastante complexo. Não à toa fascinou escritores afamados como Dante, Goethe, Milton, Oscar Wilde, apenas para citar alguns exemplos. No entanto, embora Samyaza (o demônio em A Outra Face de Deus) se assemelhe ao personagem clássico, como definiu em sua pergunta, resolvi buscá-lo em outras fontes. Procurei o Demônio que os exorcistas encontram em possessões e que os feiticeiros costumavam invocar, utilizando antigos grimórios medievais. Procurei o anjo caído que a Igreja Católica define como um ser “real e pessoal”. E o encontrei, talvez da mesma maneira que os autores citados. Talvez algum dia escreva sobre essas experiências não-convencionais.

CdL: E dos protagonistas, o padre Pietro Amorth e o jornalista David Rowling? O que há de autobiográfico neles, especialmente no último?

Muitos leitores me fazem a mesma pergunta. E a resposta é sempre a mesma. Não construo personagens autobiográficos. Claro que há semelhanças que podem nos aproximar, mas as diferenças nos afastam bem mais. Por exemplo, David Rowling e eu somos jornalistas e apreciamos vinho. No entanto, o protagonista escolheu a carreira por vocação. Eu me tornei um jornalista acidental após desistir da faculdade de Física. O Jornalismo me aproximou dos vinhos tardiamente, quando me tornei especialista no nobre fermentado. David é um aristocrata inglês e cresceu provando os melhores rótulos que o dinheiro pode comprar. Já em relação ao padre, temos algo em comum: ambos somos católicos.

CdL: Há menção textual ao livro O Código da Vinci no livro. Acredita que sua obra pertença ao nicho alargado pelo best seller? Por quê?

Na realidade, há uma brincadeira com o nome do best-seller de Dan Brown. A repórter Mary está lendo O Enigma Michelangelo quando é surpreendida pelo seu chefe. David Rowling é um leitor de clássicos e brinca com sua subordinada sobre seu gosto literário. Como foi apontado na crítica do blog, A Outra Face de Deus tem semelhanças – e diferenças – com a obra-prima de Dan Brown. Entre as primeiras, uma página inicial com fatos verídicos transportados para a ficção, capítulos curtos com cortes em pontos-chave e, consequentemente, um ritmo veloz. Desse ponto de vista, a obra pertence ao nicho alargado pelo norte-americano.

CdL: Qual impacto da publicação do livro, passado um ano de seu lançamento? Como reagem os leitores e a crítica? De alguma maneira essas reações irão interferir nos outros livros da trilogia?

Recebo muitas mensagens de leitores, seja pela minha fanpage do Facebook, seja pelo Fale Conosco do meu site. Reservo um tempo para ler e responder a todas elas. Há os que se apaixonam pela história e cobram a continuação. Um leitor chegou a ingressar na faculdade de Jornalismo inspirado pelo protagonista de A Outra Face de Deus, David Rowling. Também há leitores críticos. Para mim, tanto suas considerações – como a de críticos profissionais – são fundamentais para a sequência de A Outra Face de Deus. O escritor deve procurar aprimorar sempre seu trabalho. E fará isso na medida em que agradar, cada vez mais, seus leitores e, claro, aumentar seu público. Mas deve fazer isso respeitando seu estilo.

CdL: Na sua opinião, a literatura de gênero deve ser analisada e avaliada dentro de seus nichos específicos ou deve ser comparada ao trabalho de autores canônicos?

Há dois níveis de análise. Em um primeiro momento, a obra deve ser avaliada dentro de seus nichos específicos e comparada com outras do mesmo gênero. Esse tipo de análise é a que mais interessa aos leitores. Se alguém é aficionado por ficção científica, por exemplo, quer saber de que maneira os títulos que chegam ao mercado se assemelham a outras obras já consagradas do gênero. Em um nível acadêmico, a literatura de gênero deve ser comparada ao trabalho de autores canônicos. Muitos estudiosos brasileiros ainda têm preconceito em relação aos romances policiais, para citar um gênero. Recentemente, a inglesa P.D. James foi entrevistada por vários veículos brasileiros. A revista Época, por exemplo, indagou: “A senhora sempre se esforçou para elevar a literatura policial. Acha que colaborou na união da arte culta com a literatura policial?”

A resposta da autora é genial: Literatura policial, não. Literatura, por favor! Esse foi sempre meu desejo, mostrar que a narrativa de mistério deve ser valorizada como obra literária. Eu já disse uma vez que uma história de mistério de primeira classe tem de ser literatura de primeira classe…”. Ou seja, toda história de primeira classe deve ser avaliada como literatura de primeira classe, independente do gênero.

CdL: Qual a sua percepção sobre a crítica literária no Brasil em relação aos livros de temas como fantasia, mistérios, thrillers e afins?

Ainda há muito preconceito da crítica especializada brasileira em relação a esses temas. Posso dizer isso com segurança, pois já trabalhei como crítico literário (na IstoÉ Gente) e me relaciono com vários jornalistas especializados. Geralmente, as obras nacionais são ignoradas e as obras internacionais recebem destaque apenas quando se tornam best-sellers no exterior. Graças a esse “empenho” da mídia, muitos bons autores brasileiros estão fora do mercado editorial. E os que estão não recebem a merecida atenção de seus possíveis leitores.

CdL: Você estudou demonologia, ciências ocultas e percorreu vários santuários cristãos do mundo. Sendo os temas espirituais algo de seu profundo interesse, o que acha que um bom livro com essa temática (ainda que de pano de fundo) deve ter para não cair na mera doutrina e/ou pregação?

Acima de tudo, um bom autor. G.K.Chesterton foi um dos maiores escritores de seu tempo e influenciou autores como Ernest Hemingway, laureado com o Nobel. Seus romances não se assemelham a pregações. Ele era um católico devoto, mas suas ideias religiosas não amarravam sua imaginação. Quando ele queria debater sobre o tema, escrevia livros de não-ficção, como Ortodoxia. Outro exemplo: o badalado J.R.R.Tolkien. Ele reinventou a fantasia e é parâmetro para os atuais escritores do gênero. O que poucos fãs sabem é que ele frequentava a missa toda semana.

CdL: Você trabalha com jornalismo há bastante tempo. Qual a diferença de encarar uma folha em branco como repórter e como ficcionista? Qual te desafia mais e qual te agrada mais?

Acredito que o Fábio Farah jornalista foi um degrau necessário para revelar o F.T.Farah ficcionista. A experiência em uma redação, primeiro como repórter, depois como crítico e, finalmente, como editor, aprimorou a habilidade para escrever uma boa história. E editá-la. Não é raro exemplos de escritores que se formaram em redações. Alguns, revolucionaram a história da literatura. Talvez um dos mais notáveis – e um dos que mais aprecio – seja o norte-americano Ernest Hemingway. Seu estilo foi forjado em uma redação. Pessoalmente, me sinto mais desafiado a criar histórias do que a reportar a realidade. Por isso, me agrada mais o ofício de ficcionista.

CdL: Tendo trabalhado na revista de celebridades IstoÉ Gente, você entrevistou muita gente famosa. Se pudesse escolher um(ns) personagem(ns) de ficção para entrevistar, qual(is) seria(m)? Por quê? Qual(is) pergunta(s) faria?

Gostaria de entrevistar vários personagens. Mas colocaria dois nos primeiros lugares. Talvez propusesse a eles uma entrevista simultânea: Dorian Gray e Fausto. A pergunta principal: “Se tivessem a chance de reeditar o contrato com o ‘tinhoso’, qual cláusula acrescentariam?”.

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jeremyVocê já quis morar numa livraria? Ele morou! Não foi o único, é verdade, principalmente quando a estadia é na livraria mais nostálgica e hospitaleira do mundo, a Shakespeare and Company, localizada em Paris. Mas como cada um é dono de sua própria experiência, Jeremy Mercer narrou como foi a sua em Um livro por dia,  que já resenhamos aqui no Canto dos Livros. Além deste livro traduzido em diversos idiomas, Mercer é autor de The Champaign gang, sobre uma gangue canadense, e When the guillotine fell, sobre o último homem condenado à morte na França, ambos inéditos no Brasil.

Mercer divide seu tempo também entre reportagens e traduções. Por tudo isso resolvemos convidá-lo para essa entrevista exclusiva. Entre a atmosfera empoeirada de uma livraria e os novos rumos da leitura digital, contundente, Mercer fala sobre a escrita de não ficção, sobre sua visão de um mundo que se transforma a cada momento e onde está o lugar do escritor e do idealista hoje em dia.

Canto dos Livros: Você se mudou do Canadá para França motivado por uma situação de risco. Depois de sua experiência na livraria, o que tem te motivado como escritor e quais os riscos que você ainda corre, mesmo que não seja o de perder a vida?

Jeremy Mercer: Agora sou pai de duas crianças pequenas, então eu tento excluir todos os riscos desnecessários. Preocupa-me a ideia de sofrer um acidente grave e me tornar um fardo para minha família; ou pior, morrer e ficar sem esse grande amor que me rodeia. Então, por exemplo, agora eu uso capacete quando ando de bicicleta. E recentemente recusei um convite para escalar uma rocha. E recusei uma oportunidade de ir para a Líbia durante a guerra. E também não uso mais drogas. Apesar de beber pra caramba vinho rosé, eu não dirijo quando bebo. Acho que não me importaria de ter uma longa e sofrida morte de cirrose, o que me amedronta é ficar sem minha família por causa de uma estupidez. (Apesar de muitas vezes me pegar berrando para outros motoristas aqui em Marselha, o que é uma burrice; outro dia um motorista tentou me parar no acostamento.)

Em suma, tudo que não tem sentido. Tratam-se daqueles momentos na vida quando você é livre, quando não há responsabilidades perante a família ou pessoas amadas, esses são momentos incríveis, quando você pode se meter em todo tipo de aventuras arriscadas, viajar para países em meio a revoluções, fazer amor de ocasião. Porque com sorte você terá algo tão belo em sua vida no futuro que você não vai querer correr o risco de perder, você aceita arriscar-se quando não tem muito a perder.

De uma perspectiva criativa, os riscos que corro agora são os novos projetos. Por exemplo, recentemente eu participei da gravação de um filme francês. Foi minha primeira vez atuando numa grande produção e foi amedrontador. E eu meio que fui mal. Mas eu aceitei o papel porque eu sabia que seria um risco profissional e, mesmo se eu falhasse, me traria um aprendizado. Claro, eu também aceitei porque me pagaram 600 euros por uma única tarde de trabalho. Dinheiro é sempre uma questão para escritores.

CL: Na Shakespeare and Company havia alguma diferença na maneira que você era tratado por escrever livros de não ficção?

JM: Sem dúvida. Tinha muitas pessoas na Shakespeare and Company que seriam grandes autores. Quer dizer, eu conheci três caras que insistiam em dizer que um dia seus romances ainda nem escritos seriam ensinados em universidades. Imagine. Esses tipos eram desdenhosos não apenas em relação à não ficção, mas aos romancistas que não chegavam a um grande reconhecimento nas listas dos mais vendidos, assim como estavam tão certo de que seriam sucesso, que ofuscariam qualquer outro autor que de fato fazia sucesso escrevendo.

Geralmente, há uma esnobação equivocada que cerca a ficção. Eu adoro belos romances, mas a verdade é que genialidade na ficção é rara e a vasta maioria dos autores que se empenha em fazê-lo acaba produzindo uma bobagem banal. A razão de eu amar a não ficção é que, mesmo que você escreva um livro ruim, você acaba aprendendo algo, você fez uma pesquisa incrível, você encontrou pessoas fascinantes. Além disso, eu acho que ficção é meio que uma trapaça. Na não ficção, você se depara com uma série de elementos da história e é forçado a encontrar um sentido naquilo tudo e transformá-los numa narrativa que honre a verdade; com a ficção você pode simplesmente inventar algo e encaixá-lo de maneira que faça a narrativa fluir. Muito fácil.

CL: Como você vê esse embate que muitas vezes há entre a literatura ficcional e a não ficcional? Acha que a segunda pode atingir o mesmo patamar da primeira?

JM: Estamos passando por um momento ruim porque os autores têm um grande interesse financeiro em fazer sucesso com livros de não ficção. Eu desconheço os números do Brasil, mas nos EUA a não ficção vende dez vezes mais do que ficção, então há muita oportunidade no mercado. Alguns autores são tão ávidos a fazer um estardalhaço com a não ficção que acabam alterando a verdade da história. Pegue o exemplo do livro Um milhão de pedacinhos, de James Frey, onde ele inventa partes de sua biografia, ou Imagine, de Jonah Lehrer, onde ele cria citações de Bob Dylan. Eu acho isso repugnante, pois estão traindo os ideais da não ficção. Nós devemos buscar a verdade e contar histórias reais, mas eles ignoram este respeitoso – e desafiador – caminho para inventarem coisas e aumentar suas chances no mercado da não ficção. Esses autores que traem a não ficção me lembram aqueles maridos que sentem orgulho de trair suas mulheres, fraudadores que não têm respeito algum por si mesmos, pela vida deles ou pelo próprio trabalho.

CL: Em dado momento de Um livro por dia você diz que “pagar para ser publicado é semelhante a pagar por sexo, só que, de certa forma, mais vergonhoso”. Hoje em dia essa prática é cada vez mais comum e também há diversos casos de sucesso com autopublicações. Você continua com a mesma opinião? Por quê?

JM: Eu tenho uma opinião ainda pior sobre isso agora devido à facilidade dos e-books e e-publishing que têm se aberto para tantos escritores e tem tanta gente tentando se aproveitar disso e fazer dinheiro com as aspirações literárias das pessoas. Por exemplo, uma ex-agente literária minha iniciou um negócio cujo trabalho é aconselhar escritores em como publicar seus próprios livros e ela está fazendo dinheiro com pessoas sem talento e desesperadas para terem seus livros publicados. Eu ainda acredito que a literatura precisa de guardiões e existem revistas, jornais e editores tão diversificados por aí que eu não vejo por que um escritor precisaria pagar para ser publicado ou se autopublicar a não ser que seja um preguiçoso ou sem talento.

É claro que você pode citar exemplos de autopublicações que se tornaram um grande sucesso, como A cabana, que chegou aos 15 milhões de cópias. Mas meu argumento é que esse livro também teria sido publicado pelos meios tradicionais se o autor tivesse sido mais persistente. Lembre-se: o livro Zen e a arte da manutenção de motocicletas foi rejeitado por 121 editoras antes de ser aceito, e A resposta foi recusado 60 vezes. Não é que eu rejeite todos os modelos de autopublicação. Se você ver o que Andrew Sullivan está fazendo, é interessante: ele tem dois milhões de seguidores em seu blog, então ele começou a publicar seus próprios livros para ter mais controle criativo (como fez Luis CK na comédia). Mas a diferença aqui é que Sullivan já tem um mercado e uma demanda pelo seu trabalho, e escolheu seguir de forma independente.

CL: Em outro trecho do livro, George Whitman lhe diz “Não é medonho? A arte da guerra relacionado como livro de conselhos empresariais. O que isso diz sobre nossa sociedade?” e a pergunta, ainda que claramente retórica, fica em aberto. Já consegue arriscar o que isso diz sobre nossa sociedade?

JM: Bem, eu acho que é muito claro que muitas práticas empresariais se opõem ao que consideramos serem a melhores práticas morais. Um executivo na China pode fazer mais dinheiro colocando químicos em seu leite para bebês. É um exemplo de pessoas que priorizam o lucro individual sobre um bem comum. Além disso, pense nas espionagens corporativas que existem. Ou nas trapaças desmedidas. Eu ouvi sobre um documentário que mostra uma empresa de engenharia que compra ambulâncias antigas e as utiliza para transporte de materiais e trabalhadores, já que ninguém para uma ambulância por excesso de velocidade ou para verificar os documentos do motorista. Ou, claro, veja o próprio país de vocês: o governo brasileiro disse que os estádios para a Copa do Mundo seriam construídos com dinheiro privado. E vocês acreditaram! Rá, sobrou pra vocês. Claro que eles queriam os negócios de uma Copa do Mundo e, quando se tratam de negócios, qualquer coisa é fair play.

Mas acho que vocês estão falando de uma questão mais abrangente. A verdade é que é o mundo é cheio de gente corrupta, e você não pode deixar se levar. Também sempre terá empresários desonestos roubando de pobres e enganando a sociedade. Em meio a tudo isso, tudo o que você pode fazer é construir um pequeno refúgio de felicidade com pessoas que você confia e respeita. E, vocês hão de convir que, por tudo o que ele faz, o capitalismo ocidental tem dado a chance para muitos construírem seus refúgios felizes. No fim, eu prefiro aceitar homens de negócios com técnicas de guerra do que ditadores com técnicas de guerra.

CL: Em que momento você contou a George Whitman sobre seu livro? Qual foi a receptividade dele com a ideia e, por fim, com o livro em si?

JM: A princípio George adorou a minha ideia sobre escrever o livro. Depois, quando leu o manuscrito, ficou ofendido. Ele achou que eu fiz a livraria parecer muito suja e não gostou do fato de ter tantos detalhes sobre sua vida e sua família. Mas é um adorável e preciso retrato da loja, e acho que no final ele reconheceu isso. Por fim, nós bebemos uma cerveja e brindamos o livro juntos. Mas depois sua ex-mulher leu e ficou maluca. Lembrem que ela se casou com George quando ela tinha 27 anos e ele 69. Ela depois foi embora de Paris e se tornou uma cristã conservadora e então tentava esconder o seu passado. Quando o livro saiu, ela ficou furiosa e proibiu Sylvia (que agora administra a livraria) de carregar o livro consigo. Então foi um tanto infeliz, pois eu não tenho mais nenhuma relação com a loja.

CL: Você ainda mantém contato com os personagens que conheceu na Shakespeare and Company?

JM: Sim, alguns dos meus melhores amigos são da loja. O escritor Adrian Hornsby veio de Londres na semana passada e me visitou, e Buster Burk esteve em Marselha recentemente. Tenho grandes memórias e amizades daquela época.

CL: Seu livro acabou contribuindo com o destino da Shakespeare and Company?

JM: Acho justo dizer que eu dei um empurrão para o digno destino que teve. Eu acho que a Sylvia teria vindo até Paris mais cedo ou mais tarde, ou George teria enviado alguém para encontrá-la, então eu não fui tão crucial assim para os fatos. Mas eu dei um empurrãozinho nas coisas, sim.

CL: É bastante acentuada a forma otimista como George enxergava o mundo e acreditava na bondade das pessoas. Para você, como foi trabalhar essa questão da dualidade otimismo e pessimismo? Como funcionam esses conceitos na sua cabeça?

JM: Existe a ideia do “otimismo racional” (de Matt Ridley) que tem sido usada hoje em dia e eu me descreveria como um otimista racional. Eu estou certamente preocupado com questões como o aquecimento global, mas também confiante que a ingenuidade humana irá resolver o problema de alguma maneira. A intolerância dos estados teocratas e o islamismo fundamentalista também são complicadores, mas tenho que acreditar que a briga de ideias será ganha pelos que defendem os direitos humanos universais. Caramba, vocês viram quem vai concorrer à presidência de Mianmar em 2015? A verdade é que a sociedade tem ficado cada vez melhor. Veja o casamento gay. Dá para acreditar o quão rápido esse direito fundamental foi aceito? É muito bom. A dualidade que vejo não está entre otimismo e pessimismo, mas entre realismo e idealismo. É claro que o mundo está distante dos nossos ideais, mas realisticamente é uma ótima época para estar vivo. E quem está em países como a França ou o Brasil são afortunados com infinitas oportunidades.

CL: Assim como outros que passaram por Paris, você é um escritor estrangeiro produzindo literatura fora do seu país. Como é essa esta experiência dentro de uma diferença cultural e idiomática?

JM: Paris é um fenômeno interessante. Pessoas tão criativas se encontram nessa cidade que você se depara com encontros fantásticos. A melhor parte é que essa cidade me fez perceber o quanto mais duro eu teria que trabalhar se eu quisesse alcançar as mentes criativas de verdade. Diferença idiomática? Rá! Você não precisa falar francês em Paris – todos falam inglês. De fato, eu só realmente passei a falar francês em Marselha. E isso é o engraçado: uma cidade como Marselha é vastamente superior a Paris em termos humanos. Aluguéis mais baratos, clima melhor, menos pretensiosa etc… Mas Paris é como tiro de cocaína intelectual. E assim como é ruim para a saúde usar muita cocaína, passar muito tempo em Paris faz mal para a alma.

CL: O que acha das barreiras culturais, aqueles “muros invisíveis” que dificultam a entrada e a publicação de bons autores estrangeiros em outros países e mercados?

JM: Bom, para ser honesto, essas barreiras culturais me ajudaram bastante, pois o ruim da cultura moderna é que geralmente ela é uma via de mão única – do inglês para outras línguas. Quantos livros e filmes brasileiros são traduzidos para o inglês? Uma mão cheia a cada ano. E quantos livros e filmes americanos e ingleses chegam ao mercado brasileiro? Centenas por ano. É horrível e realmente limita as perspectivas dos anglófonos, pois precisamos garimpar muito para encontrar livros de outras culturas. Algo interessante na França é que o governo está ativamente barrando a dominação cultural inglesa. Ele subsidia a tradução de livros franceses para o inglês. Por exemplo, quando eu traduzi o livro de Robert Badinter [L’abolition], eu recebi seis mil euros do governo francês.

CL: No Brasil há muitas críticas (a maioria delas procedentes) quanto à tradução do nome de obras tanto cinematográficas quanto literárias. O título original de seu livro, Time was soft there, foi traduzido aqui para Um livro por dia. O que você pensa sobre essa questão? Gostou da tradução? 

JM: Eu adorei a edição brasileira e achei o título ótimo. Mas sabe quem me ferrou? Os britânicos! Eles traduziram o nome para Books, Baguettes, and Bedbugs (Livros, baguetes e percevejos), que eu odiei, mas o departamento de marketing amou. E adivinhem! Eles estavam certos. O livro vendeu três vezes mais (per capta) no Reino Unido do que nos Estados Unidos. 

CL: Você já participou de alguns eventos literários do Brasil. Teve a oportunidade de ler algo da nossa literatura?

JM: Assim como muitas pessoas na França, já li Jorge Amado. E eu li [Euclides] da Cunha para me preparar para o festival. Mas sabe quem é o meu favorito? Rubem Fonseca. Eu adoro esse escritor e já li todos os seus livros traduzidos para o inglês. Eu até entrevistei seu tradutor para saber por que seus outros livros ainda não foram traduzidos. Fonseca é um escritor brilhante e sofisticado, que consegue brincar com os estereótipos e clichês da ficção policial. Eu me lembro que quando li Bufo e Spallanzani, fiquei tão impressionado e empolgado que eu tive que me levantar e andar pela casa para me acalmar. Além disso, Fonseca é um pouco louco, pelo menos é o que me dizem, e devemos gostar de escritores loucos.

CL: Considerando as lojas virtuais, o advento dos e-readers e a expansão das megastores, é possível dizer que as pequenas livrarias vivem seu ocaso? 

JM: Livrarias como lugares onde você apenas compra livros estão definitivamente em declínio. Mas as livrarias de sucesso estão se tornando o “terceiro lugar”, onde as pessoas querem estar quando não estão em casa ou no trabalho. Elas têm um café e eventos, e um espaço onde acontece o encontro entre pessoas. Esse tipo de livraria é um sucesso tremendo, mas é claro que elas exigem que os donos amem livros e pessoas, e muitos donos de livrarias antigas amam livros, mas odeiam pessoas. Além disso, vocês devem saber que existe na França a “Lei Lang”, que proíbe grandes redes como a Amazon de baixar o preço de livros mais do que 5% nos primeiros dois anos de sua publicação. Então isso ajuda muito a proteger as livrarias, pois elas conseguem ter um lucro decente à beira das grandes lojas.

CL: O que os efeitos do mercado predatório trazem para o mercado de livros em si e para a sociedade? E qual seria o lugar para os idealistas de hoje?

JM: Bom, muitos idealistas querem formar uma comunidade e basta uma comunidade para que uma livraria de sucesso aconteça, então acho que idealistas e livrarias são um bom par. Acho que livrarias vão sobreviver enquanto pessoas comprarem livros em papel, mas a migração para leitores eletrônicos me preocupa um pouco. Não consigo imaginar a leitura num e-book, pois gosto de fazer anotações em meus livros (a lápis, claro). E também adoro ler no banheiro, e por alguma razão, a ideia de juntar os movimentos do intestino com um e-reader me causa repulsa. Além disso, junto às leis do governo para proteger as livrarias, é interessante ver como elas estão usando sites como IndieGoGo ou Kickstart para fazer dinheiro. De novo, trata-se de comunidade e uma livraria cercada por uma comunidade sobrevive. (E ainda, é muito importante que as livrarias sejam donas de seus prédios; muitas ótimas livrarias sumiram, pois seus arredores valorizaram muito, dobrando ou triplicando os aluguéis).

CL: Qual o papel da literatura na nossa nova sociedade? Para onde ele deveria se dirigir, se estiver fora do rumo, e como aprumá-la? 

JM: Não penso que a literatura deva ter um papel definido na sociedade e acho que escritores que planejam escrever uma “grande obra” acabam fracassando. Ao invés disso, os livros servem como fragmentos de espelhos que refletem a sociedade ao leitor. Com o tempo, poucos fragmentos vão ficar e se tornar parte do cânone literário e serão vistos como representativos ou fundamentais. Mas isso tudo deve ser um processo natural. Em sua alma, o mercado de livros trata-se de contar histórias (vocês pensam que Homero pensou sobre seu papel na sociedade? A odisseia era apenas uma história sensacional que foi passada por gerações e rica em sabedoria cultural). O momento em que escritores começam a Pensar Grande, cuidado. Ou vai ser algo muito chato ou muito pretensioso para o leitor.

Tradução: Fred Linardi

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mercer_photo1“Idealists and bookstores are a good match” – an interview with Jeremy Mercer.

Have you ever wished to live in a bookstore? He did live! He was not the only one, that´s true, especially when the stay is at Shakespeare and Company, located in Paris – the most nostalgic and welcoming one. But as he had his own experience, Jeremy Mercer wrote about it on Time was soft there, which we´ve written about here in Canto dos Livros. Beside this title, translated to several languages, Mercer is the author of The Champaign gang, about a Canadian gang, and When the guillotine fell, that tells the true story about the last man executed in France, both of the books unpublished in Brazil.

Mercer works also as a reporter and translator. For all of it, we´ve invited him for this interview. Between a library dusty ambience and the digital reading world, Mercer talks heated about nonfiction craft, his view on a changing world and where´s the writer and the ideologist place on it today.  

Canto dos Livros: You have moved out from Canada to France motivated by a death risk. After your experience at Shakespeare and Company, what have motivated you as a writer and what are the risks that you still take, (even if they aren´t so harmful)?

Jeremy Mercer: I am now the father of two young children so I am trying to eliminate all unnecessary risks. The idea of having a brutal accident and becoming a burden on my family haunts me; or worse, dying and missing out on this glorious love that surrounds me. So, for example, I wear a bicycle helmet now. And I recently turned down a chance to go rock climbing. And I refused a chance to go Libya during the war. And I also don’t use drugs any more. Though I do drink, a hell of a lot of rosé, but I don’t drink and drive. I guess I don’t mind a long painful death from cirrhosis, it’s the just the idea of being yanked away from my family due to my own stupidity that scares me. (Though I also still find myself yelling at other drivers here in Marseille, which is ridiculously stupid; someone tried to run me off the road the other day.)

Anyway, all that is kind of nonsense. The broader point is that those moments in life when you are free, when you have no responsibilities to family or loved ones, those are incredible moments when you can get involved in all kinds of dangerous adventures, travel to countries in the midst of revolutions, make love to unstable people. Because hopefully one day you will have something so beautiful in your life that you don’t want to risk losing it, you need to take all the chances you can when you don’t have too much to lose.

From a creative perspective, the risks I take now are new projects. For example, yesterday I shot a scene in a major French film. It was my first time acting in a major production and I was terrified. And I kind of screwed up. But I accepted the role because I knew it would be a professional risk and even if I failed I would learn from it. Of course, I also accepted the role because it paid me 600 euros for an afternoon’s work. Money is always a question for writers.

CL: At Shakespeare and Company, did people looked at your in a different way by the fact you write nonfiction?

JM: Absolutely. There were a lot of people at Shakespeare and Company that were convinced they were going to be great authors. I mean, I knew three men who insisted one day their unwritten novels would be taught in universities. Imagine. These sorts were dismissive of not only non-fiction writers but established mid-list fiction writers as well because they were so certain their future success would eclipse any actual success achieved by these working writers.

Generally, there is a misplaced snobbery around fiction. I love beautiful novels, but the truth is that genius in fiction is rare and the vast majority of people who strive for it end up producing banal drivel. The reason I love non-fiction is because even if you end up writing a bad book, you’ve learned something, you’ve done incredible research, and you’ve met fascinating people. Besides, I think fiction is kind of cheating. In non-fiction, you are faced with a collection of disparate story elements and you are forced to make sense of them and transform them into a narrative that honors the truth; with fiction, you can just make something up and stick it in you narrative to make it flow. Too easy.

CL: How do you look at this collision that happens many times between fiction and nonfiction writing? Do you think that the second one can reach the first one level? 

JM: At the moment, we’re in an ugly place because authors have such a financial interest in writing successful non-fiction. I don’t know the numbers for Brazil, but in the U.S., non fiction outsells fiction by a 10-to-1 ratio, so there is a lot of opportunity in the market. For some authors, they are so eager to write explosive non-fiction that they play with the truth. Take the case of James Frey’s Million Little Pieces where he fabricated parts of his life story or Jonah Lehrer’s Imagine where he made up quotes from Bob Dylan. I find this nauseating because they are betraying the ideals of non-fiction. We are supposed to be searching for the truth and telling true stories, but they ignore this honorable – and challenging – path and instead use the ‘make-things-up’ technique of fiction to improve their chances in the non-fiction market. These writers who betray non-fiction remind me of those men who are really proud of cheating on their wives, saps and scammers who have no respect for themselves or their lives or their craft.

CL: In a certain moment of Time was soft there you write that paying to be published is like to pay for sex, but in a certain way, more shameful. Nowadays this practice is getting more and more common and there are several successful self-publishing cases. Do you keep this opinion today? Why? 

JM: I have an even worse opinion of this practice now because the facility of ebooks and epublishing has opened the market to so many writers and there so many more people who are trying to make money off of aspiring writers’ dreams. For example, a former literary agent of mine started a business advising writers how to publish their own books and she is making money from desperate people who have no talent. I still believe that literature needs gatekeepers and there are so many diverse magazines and journals and publishers out there I don’t see why a writer would need to pay to get published or publish themselves unless they were lazy or talentless. Of course you can cite examples of self-published books that became a big success, such as The Shack that went on to sell 15 million copies. But my argument is that this book would have had been published by traditional channels if the author was more persistent. Remember, Zen and the Art of Motorcycle Maintenance was rejected by 121 publishers before it was picked up, and The Help was rejected 60 times. Now, that’s not to say I reject all self-publishing models. If you look at what Andrew Sullivan is doing, that’s interesting: he has 2 million followers from his blog, so he started publishing his own books so he had more creative control. (Kind of like Louis CK in comedy.) But the difference here is that Sullivan has an existing market and a demand for his work, and he chose to go independent.

CL: In other part of the book, George Whitman says “Isn´t that awful? The art of war listed as a business advice book. What does that tell you about our society?” and his question, even tough is clearly eloquent, stands open. Can you take the risk of what that says about our society? 

JM: Well, I think it is pretty clear that many business practices stand in opposition to what we would consider the best moral practices. A businessman in China can make more money by putting chemicals in his baby milk or investment firms can sell poisoned bonds to retirement funds. These are people prioritizing individual profit over the common good. Beyond that, just think of the corporate espionage that exists. Or flat out deception. I just heard a documentary about a construction company that buys old ambulances uses them to ship tools and workers around because nobody stops an ambulance for speeding or to check the driver’s papers. Or, of course, look at your country. Your government told you that private money would build the World Cup football stadiums. And you guys believed them! Ha, the jokes on you. They were, of course, because they wanted the business of the World Cup and when it comes to business everything is fair play.

But I think you are talking about a broader issue. The truth is, life is full of corrupt people so you can’t let it get to you. There will also be sleazy business people stealing from the poor and cheating society. In the midst of this, all you can do is carve out a little nook of happiness with people you trust and respect. And, you have to admit, that for all it’s faults, Western-style capitalism has given a lot of people the opportunity to carve out happy nooks. In end, I would rather accept war-like businesses ruling our world than war-like dictators.

CL: When and how was the moment you told Mr. Whitman about your book? How receptive was he about your idea?

JM: At first, George loved the idea of me writing the book. Then he read the manuscript and was outraged. He thought I made the bookstore look too dirty and he didn’t like the fact that I had so many personal details about his family. But it was a loving and accurate portrait of the store, and I think he ultimately recognized this. In the end, we drank a beer and toasted the book together. But then, his ex-wife read the book and exploded. Remember, she married George when she was 27 and he was 69. She eventually left Paris and started a new life as a conservative Christian and she tried to hide her past. When the book came out, she was furious and forbid Sylvia (who now runs the bookstore) from carrying the book. So, that was kind of unfortunate because I now have no relationship with the bookstore.

CL: Do you still keep in touch with the people you´ve met at Shakespeare and Company? And what about the Whitman family?

JM: I told you about the Whitmans, but, yes, some of my best friends are from the bookstore. The writer Adrian Hornsby was visiting me last week from London, while Buster Burk was down in Marseille recently. Generally I have great memories and friendships from that period.

CL: Did your book ended up helping the Shakespeare and Company destiny?

JM: I think it is fair to say I nudged the bookstore into its proper destiny. I think eventually Sylvia would have come to Paris or George would have sent somebody else to find her, so I wasn’t that crucial to events. But, I did push things a long a little bit.

CL: George Whitman had a very optimistic way to see the world and believed in people goodness. How was it for you, working with this duality between optimism and pessimism?

JM: There is this idea of ‘rational optimism’ (Matt Ridley) floating around today and I would describe myself as a rational optimist. I’m certainly concerned about issues such as climate change, but I am also confident that human ingenuity will eventually solve the problem. The intolerance of theocratic states and fundamental Islam are also troubling, but I have to believe that the battle of ideas will be won by those on the side of universal human rights. Hell, did you see who is running for the presidency of Myanmar in 2015? The truth is, society has just been getting better and better. Look at gay marriage. Can you believe how quickly society has accepted this fundamental human right? It’s been brilliant. The duality I see isn’t between optimism and pessimism, but between realism and idealism. Of course our world falls short of our ideals, but realistically this is a brilliant time to be alive and those of use in countries like France or Brazil are bestowed with endless opportunities.

CL: Just like others that passed by Paris, you are a foreign writer producing literature out of your country. How is this experience considering the cultural and language differences?

JM: Paris is an interesting phenomenon. So many creative people gather in this city that you end up with scintillating encounters. The best part of the city was that it made me realize how much harder I had to work if I wanted to measure up to the truly creative souls. Language difference? Ha. You don’t need to speak French in Paris, everybody speaks English. In fact, I only really began to speak French in Marseille. And that’s the funny thing: as a human being, a city like Marseille is vastly superior to Paris. Cheaper rents, better weather, less pretension, etc.. But, Paris is like a burst of intellectual cocaine. And just like it’s bad for your health to do too much cocaine, it’s bad for your soul to spend too much time in Paris.

CL: What do you think about the cultural barriers, those “invisible walls” that make it tough to good authors to be publicized in other countries and markets?

JM: Well, to be honest, those invisible walls have really helped me because the sad thing about modern culture is that it generally only flows in one direction, from English to other languages. How many Brazilian films and books get translated into English? A handful every year. But how many American and English films and books are in the Brazilian market? Hundreds every year. It’s awful and it really limits the perspective of English speakers because we have to search so hard for books from other cultures. One interesting thing about France is that they are actively fighting the English cultural domination. They subsidize the translation of French books into English. For example, when I translated Robert Badinter’s book into English, I received a $6000 grant from the French government.

CL: Here in Brazil the books and movies titles translations are much criticized (and most of times the critics proceed). Your book title here was translated to “One book a day”. What do you think about that and did you like this translation? 

JM: I loved the Brazilian edition and I thought the title was wonderful. But do you know who screwed me? The British! They changed the title to Books, Baguettes, and Bedbugs, which I hated but the marketing department loved. And guess what? The marketing department was right. My book sold three times as well (per capita) in Britain than in North America.

CL: You´ve already been in literature events here in Brazil. Did you have the chance to read any of our writers? 

JM: Like a lot of people in France, I’d read Jorge Amado. And I read da Cunha to prepare for the festival. But do you know who my favorite is? Rubem Fonseca. I love that writer and I’ve read all his books that have been translated into English. I’ve even interviewed his translator to see why the other books haven’t been translated. Fonseca is a brilliant, whimsical writer who really plays with the stereotypes and clichés of detective fiction. I remember when I first read Bufo and Spallanzani, I was so astonished and excited I had to get up from my chair and walk around the house to calm down. Plus, Fonseca’s a little crazy, or so they tell me, and you have to love a crazy writer.

CL: Considering the online stores, the megastores expansion and the e-readers, is it possible to say that the small bookstores live their decline?

JM: Bookstores as places where you just buy books are definitely in decline. But the successful bookstores are becoming the ‘third space’, the space people want to be when they aren’t at home or work. They have a little café and events and a room they let people meet in. These types of bookstores are tremendously successful, but of course they require the owner to love books and people and a lot of old bookstore owners love books and hate people. Also, you should know that in France we have the ‘Lang law’ that forbids big stores and Amazon from cutting the price of a book by more than 5% the first two years after it is published. So, this really helps protect bookstores because they can earn a decent profit margin on the big sellers.

CL: What do the effects that this predatory market brings to the books market itself and to the society? And where do the idealists find their place in this context?

JM: Well, most idealists want to form a community and it takes a community to run a successful bookstore, so I think that idealists and bookstores are a good match. I think bookstores will survive as long as people keep buying paper books, but the trend to electronic readers worries me a little bit. I can’t imagine reading an ebook because I love to make notes in my books, in pencil of course. Also, I love to read on the toilet and the idea of having a bowel movement with an electronic reader disgusts me for some reason. Also, along with government laws that can protect bookstores, it is interesting to see how bookstores are using websites like IndieGoGo or Kickstarter to raise money. Again, this is about a community and a bookstore with a community around it will survive. (Also, it’s really important for bookstores to own their building; a lot of great bookstores have gone out of business because their neighborhood became trendy and their rent doubled or tripled.)

CL: What´s the literature role in this new society? Where does it should point to and, if it´s out of the track, how to upend it?

JM: I don’t think literature should have a defined role in society and I think writers who set out to write ‘big books’ ultimately fail. Instead, books should serve as fragments of mirrors that reflect society back to the reader. As years pass, a few fragments will stand out and become part of the literary canon and be seen as representational or even foundational. But, all this should be a natural process. At it’s heart, the book business is about storytelling (Do you think Homer thought about his role in society? The Odyssey was just an awesome story that had been passed down for generations and was rich with cultural wisdom.) The moment writers start to Think Big, watch out. It’s either going to be really boring or really patronizing for the reader.

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