Há uma clara divisão na literatura nacional. Enquanto a maior parte dos escritores se desdobra para que a venda de seus livros atinja o milhar, alguns raríssimos podem se gabar de centenas de milhares (ou até mais de um milhão) de exemplares vendidos. Muitos desses bestseller pertencem ao nicho da literatura fantástica, como é o caso do carioca Eduardo Spohr, autor de A batalha do Apocalipse, Filhos do Éden: herdeiros de Atlântida, Protocolo bluehand: Alienígenas ,Filhos do Éden: anjos da morte e A torre das almas e editor do blog Filosofia Nerd. Amado por milhares (ou milhões?) de fãs, defendido por Paulo Coelho e sustentando que a literatura deve ser analisada com o coração, Spohr falou com o Canto dos Livros.
Canto dos Livros: Sobre seu primeiro trabalho, A batalha do Apocalipse, você já declarou que, devido à dificuldade em encontrar informações concretas durante a pesquisa, teve de criar uma “mitologia própria”. Tolkien talvez tenha sido o escritor que melhor desenvolveu este trabalho, criando um universo completamente novo. Quais foram as dificuldades encontradas nas pesquisas? Como foi criar uma mitologia própria? Em quais pontos foi bom ou ruim não ter algum embasamento prévio?
Eduardo Spohr: Foi longo, porém mais fácil dos que as pessoas pensam porque eu já jogava RPG dentro desse universo, e tive anos para desenvolvê-lo. Então, a coisa aconteceu de forma orgânica e gradual. Quando comecei a escrever A batalha do Apocalipse, já tinha praticamente tudo pronto. O mais difícil, acredito, é manter a coerência com as “regras” estabelecidas para esse universo fantástico.
CdL: É comum vermos você falando de mitos. Conte-nos um pouco sobre a sua relação com a mitologia, com a obra de Joseph Campbell e o impacto que isso tem na sua escrita.
ES: Quando eu conheci Campbell, já tinha escrito o meu primeiro livro, mas o curioso foi ver que tudo o que ele falava, eu já tinha aplicado nas minhas histórias. Então, estudando mais sobre as teorias dele, eu entendi o porquê e comecei a desconstruir todo o processo.
CdL: Flertando com Campbell, de que forma um personagem deve ser construído para que desperte emoção no leitor? Quais seus personagens mais amados? E os mais odiados?
ES: Bom, acho que acima de tudo o personagem deve ser crível. Como fazer isso? Cada escritor deve encontrar o seu caminho. No meu caso, não tenho personagens mais amados ou odiados. São todos como filhos (risos).
CdL: De que forma você enxerga a tradicional personificação do mal, na figura de um adversário – Diabo, Satã, Lúcifer ou equivalente? Sobre a responsabilidade do mal cometido pelos e sobre os homens, a quem ela recai?
ES: É uma forma de ver as coisas. De fato o mal existe dentro de nós, assim como o bem. Está nas nossas mãos escolher o que fazer: o certo ou o errado, geralmente sendo o errado mais tentador. Metaforicamente é uma alegoria poderosa.
CdL: Suas crenças religiosas ou espirituais interferiram na escrita de seu livros ou a escrita de seus livros interferiram em suas crenças?
ES: Não. O livro é 100% ficção, não há nada relacionado com as minhas crenças ou algo do tipo.
CdL: Além de livros, você produz bastante conteúdo das suas histórias em outros formatos, como podcasts e textos no blog. Como esses formatos te ajudam a construir sua obra e envolver os leitores?
ES: São materiais diferentes, na verdade. Não acho que exista grande influência dos podcasts, por exemplo, nos meus livros.
CdL: De que forma a interação online com seus mais de 30 mil fãs no Facebook e mais de 50 mil seguidores no Twitter exerce impacto na sua obra?
ES: Eu sempre fico de olho no que os leitores falam, e escuto suas críticas. Isso tem me ajudado muito a melhorar, tenho certeza.
CdL: Você demonstra desejo de compartilhar sua experiência como escritor aos novos talentos. Há, inclusive, um post no seu blog com inúmeras referências, podcasts e vídeos sobre o assunto. O que te motiva a estimular a nova geração? Quais foram seus maiores professores na profissão?
ES: Eu acho um barato que a galera curta meus livros e o meu trabalho. Então, quando me fazem perguntas sobre como escrever, eu tenho o maior prazer em ajudar, daí eu ter feito esse post. Meu principal mentor creio que foi o escritor José Louzeiro, uma pessoa que admiro muito.
CdL: Num mundo cada vez mais racional, pelos avanços da ciência e do conhecimento, a literatura de fantasia tem hoje um papel diferente do que tinha antes?
ES: Não. Acho que é o mesmo. O papel de reconstruir a nossa sociedade e nós mesmos de forma metafórica.
CdL: Você esteve na Feira de Frankfurt este ano. O que achou da participação do Brasil no evento e como encarou todas as polêmicas que a cercaram, principalmente a lista de autores levados pelo governo e o discurso do Luiz Ruffato na abertura?
ES: Frankfurt é muito corrido. É uma reunião atrás da outra, com editores, agentes, etc. Confesso que nem tive tempo de parar e nem de pensar nas polêmicas. Estava totalmente concentrado em apresentar meu trabalho aos editores internacionais. Vamos torcer para que dê certo.
CdL: Como é a receptividade das editoras internacionais pela literatura de fantasia brasileira? O país de origem influencia no interesse dos editores?
ES: Creio que dependa do caso. Nos lugares onde meu livro já saiu (Alemanha, Holanda e Portugal), a recepção foi bem legal.
CdL: É nítido o amadurecimento no seu texto desde o primeiro trabalho até o mais recente, Filhos do Éden: Anjos da Morte. Além da evolução como escritor, o que acha que mudou nesse tempo? Como a mudança tem sido recebida pelos leitores?
ES: Muito obrigado. Bom, claro que eu tenho tentado melhorar. Os leitores parecem estar curtindo também, pelo feedback que estão me dando.
CdL: Sobre sua evolução, você já declarou que precisava melhorar nos diálogos. Esse é um dos pontos cuja diferença pode ser percebida se compararmos o seu primeiro e o terceiro romance. Para você, qual a importância desse recurso dentro do todo? Em que exatamente e quanto acha que melhorou nesse sentido?
ES: Muito importante. É o diálogo que dá vida aos personagens. Não só ele, mas é uma parte importante, acredito. Eu não posso dizer que melhorei (isso é para o leitor avaliar), posso dizer apenas que me esforcei para tentar melhorar.
CdL: Sua obra alcançou um grande público no Brasil, tornando-se um bestseller. Você faz parte também da coletânea de contos Geração Subzero, que reuniu autores “esquecidos pela crítica”. Afinal, não estar nas críticas da grande imprensa faz falta para você? Qual é a real importância destas críticas?
ES: Para mim é mais importante a crítica do leitor. Mas acho que toda crítica, quando feita com respeito, é válida e nos ajuda a evoluir.
CdL: Na sua opinião, um livro deve ser analisado dentro do seu nicho específico ou comparado com tudo o que compõe a literatura? Em outras palavras, uma obra de fantasia deve ser analisada tendo somente Tolkien como parâmetro ou podemos colocá-la ao lado de Graciliano Ramos, por exemplo?
ES: Acho que deve ser analisado com o coração. Pelo menos eu faço isso, enquanto leitor. Obviamente, os críticos discordariam.
CdL: Levando em conta toda a literatura brasileira contemporânea, como sua obra se situa nela?
ES: Para mim, é difícil fazer essa auto-avaliação. Prefiro que o leitor o faça.
CdL: Fazendo um exercício de futurologia, daqui cem anos, quais dos escritores brasileiros atuais continuarão sendo lidos? Por quê?
ES: Impossível dizer. E qualquer resposta seria errada. Prefiro não arriscar (risos).