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Posts Tagged ‘Literatura’

jaffePara viver de literatura quase sempre é preciso se desdobrar. Noemi Jaffe se desdobra. Escreve livros, prefácios, ensaios e críticas, faz curadoria, dá aula em universidades e ministras cursos e oficinas de escrita. Assim, leva uma vida sem luxos, é verdade, mas alinhada com sua paixão pelas letras. Autora, dentre outros, de A verdadeira história do alfabeto e O que os cegos estão sonhando, também mantem o blog “Quando nada está acontecendo”. Na conversa que tivemos com ela por e-mail, falou de suas obras,da literatura de uma forma geral, do belo e até mesmo de poesia, assunto um tanto raro aqui no Canto.

Canto dos Livros: O que se passa quando nada está acontecendo?

Noemi Jaffe: Quando nada está acontecendo passa o que passa distraído e é durante a distração, quase sempre, que se passam as melhores coisas. Aquelas das quais a gente não se dá conta, que não têm grandiloquência, mas têm voz e vez. Não o amor, nem a guerra, nem a paz: mas algumas palavras, algumas pessoas, lugares e ações. O que se passa é o concreto, quando nada está acontecendo.

CdL: A verdadeira história do alfabeto guarda algumas semelhanças com O livro dos seres imaginários, de Jorge Luis Borges. Ele realmente lhe é uma referência?

NJ: Esse livro, particularmente, não, porque eu nem tinha feito essa relação. Mas a literatura borgeana, sim, embora não diretamente. Borges está sempre ressoando em quase tudo o que escrevo, na sua visão de literatura como jogo, influência, espelho, circularidade e na ideia de que a linguagem e as línguas são mistérios que, quanto mais você cava, mais misteriosas ficam.

CdL: Em O que o cegos estão sonhando você parte do diário que sua mãe escreveu durante a Segunda Guerra, quando ela foi prisioneira em um campo de concentração, para criar uma ficção. Como foi o contato com esse passado da sua mãe? Quais emoções afloraram? Onde a ficção se fez essencial?

NJ: Foi, e sempre é, um contato muito difícil. Me identifico muito com ela e sinto dor, medo e culpa. Mas também aprendo, com ela, a importância da dignidade, da coragem e tento dar importância, na vida, ao que é realmente importante, sem me ater ou fixar a bobagens ou frivolidades. A ficção se fez essencial porque foi a forma que encontrei para lidar com algo de que não conseguia me libertar. Não quer dizer que me libertei, mas aprendi muito com a ficção. Aprendi sobre a importância de dividir essa história e mais algumas coisinhas sobre as pessoas e o mal, que está em todo lugar e no fundo de todo mundo.

CdL: Ainda sobre O que os cegos estão sonhando, a leitura de um relato sobre o holocausto tende a modificar o leitor. Você foi modificada pelos relatos que teve contato? Em qual medida?

NJ: Acho que já respondi na pergunta acima. Estou sempre sendo modificada por essa história e pelo que leio sobre ela. Não termina.

CdL: Você atua em diversas frentes literárias, seja como escritora, professora, crítica, curadora ou acadêmica. É possível afirmar que você vive de literatura? Como foi seu trajeto? Como é possível alcançar essa realidade que é o sonho de muita gente?

NJ: Sim, vivo de literatura. Mas principalmente das aulas de escrita criativa que ministro. Não vivo de direitos, de forma alguma. Mas é a literatura que me sustenta, através de palestras, prefácios, críticas, aulas etc.
Alcançar essa realidade é fruto de perseverança. A literatura sempre dá vontade de desistir, num país como o nosso e com a pressa que as pessoas têm de obterem repercussão. Não se pode ter pressa. Se escrever é reescrever, viver de literatura é tentar de novo. Nunca tive luxo e acho que nunca vou ter.

CdL: Dessas frentes, qual é a que lhe dá mais prazer? E há alguma que na qual você gostaria de parar de atuar?

NJ: A que mais me dá prazer é terminar um livro e vê-lo pronto. Não quero parar de atuar em nenhuma. Talvez dar menos aulas.

CdL: Quais as maiores surpresas que você já teve nas aulas e oficinas de escrita que ministra?

NJ: Ter encontrado alguns grandes escritores.

CdL: Até onde é possível ensinar alguém a fazer literatura?

NJ: Infinitamente, na mesma medida em que eu mesma estou sempre aprendendo. Eu não ensino a escrever. Ensino as pessoas, ou tento ensinar a extrair o melhor de si em termos técnicos e na demonstração de recursos, como concisão, uso de palavras, simplicidade etc.

CdL: Nas artes, em geral, e na literatura, especificamente, o clássico será sempre o belo?

NJ: De forma alguma! O belo não tem mais nome. O belo é o necessariamente belo, como disse Kandinsky.

CdL: A criação de novos gêneros textuais – tweets, posts etc – pode alterar a produção literária ou ela só existe nos gêneros consagrados?

NJ: Acredito que sim, mas ainda não. Talvez parte da literatura passe a ser mais condensada e talvez outra parte, como acredito, por oposição, retorne ao caudaloso e ao trabalhoso.

CdL: Uma de suas obras, para a série Folha Explica, trata de Macunaíma. Considerando que é possível detectar uma mudança de mentalidade na sociedade brasileira, de uns 20 ou 30 anos para cá, a análise e os paralelos possíveis de serem traçados do romance com a realidade também devem mudar? A 1ª edição do seu livro, de 2001, deveria ter algum acréscimo ou modificação significativa?

NJ: Acho que eu faria mudanças sim, mas não em função da realidade brasileira e sim em função da análise que realizei, à qual acrescentaria alguns trechos do livro que deixei de verificar. Acho que Macunaíma é mutante o suficiente para sempre ser uma representação fiel (e infiel) do Brasil.

CdL: Há alguma obra recente potencialmente similar à Macunaíma, em seu impacto e originalidade?

NJ: Penso em várias ótimas obras sobre o Brasil, mas em nenhuma especificamente, portanto acho que nada com o mesmo impacto. Gosto do José Luis Passos (confira aqui a entrevista que fizemos com ele), Paulo Scott, Bia Bracher e outros, que falaram sobre questões políticas brasileiras.

CdL: Você organizou ma antologia de poemas do Arnaldo Antunes e já ministrou curso sobre Paulo Leminski. Como está o atual momento da poesia?

NJ: Acho que está realmente bom! Poetas ótimos, com dicção nova e desafiadora. Estou adorando o momento poético brasileiro.

CdL: Do que se trata e a que se propõe o romance que você está escrevendo? Qual a previsão de lançamento?

NJ: Não tenho previsão de lançamento. O romance tem a ver com a revolução húngara de 1956. Não quero, por enquanto, falar mais do que isso. 

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Por Fred Linardi

PEIXE_GRANDE_1293121765PTendemos a imaginar que a fantasia está se enfraquecendo. O mundo se tornou chato, dizemos também. As histórias infantis, em especial os livros clássicos, são um campo minado prestes a explodir na primeira análise dos fiscais do politicamente correto. Tira-se do contexto de época e de repente Monteiro Lobato se torna perigoso para nossa frágil moral. E então, no mundo de hoje, com crianças precocemente adultas, a impressão que temos é essa, a de que o mundo da fantasia vive num arriscado limiar.

Tanto a literatura quanto o cinema encontram um grande apelo comercial quando a história prestes a ser lida ou assistida se trata de uma narrativa inspirada numa vida real. Parece que as horas investidas na poltrona encontrarão mais sentido do que se a história em questão fosse meramente ficcional (como se isso fosse simples, como se a inventividade tirasse a autenticidade de uma vida inventada). E então, no entanto, nos lembramos do que há de real numa ficção e do que existe de universal em qualquer história tirada da imaginação.

No final, o que se extrai tanto de uma literatura quanto da outra é o que de há de humano, o que move o leitor na história. Ao cabo, chegamos à conclusão que não esgota o ciclo dessa questão, de que a fantasia jamais vai perder seu espaço, mesmo num mundo chato como ele se apresenta.

Peixe grande, de Daniel Wallace, é uma prova disso. Trata-se de um pequeno livro, uma história sobre a vida de Edward Bloom, que se encontra agora no leito de morte. É seu filho, William, que narra a história intercalando com diferentes momentos dessas horas do fim da vida com as extraordinárias passagens que ouviu sobre o passado do pai. Ouviu-as do próprio Edward, mas também as complementações e variações dos fatos que amigos e estranhos contavam sobre aquele homem sem igual. Dessa forma, o conhecido e mitológico pai está se esvaindo diante de um filho que, na verdade, pouco lhe conhece.

As inúmeras histórias, que se parecem mais fábulas que os adultos contam para entusiasmar as crianças, parecem não preencher o vazio que o filho sente em relação à ausência deste pai que tanto viajou durante a infância e juventude de William. De espírito aventureiro, não conseguiria jamais viver entre as paredes da casa, repletas das previsíveis coisas da vida.

Toda pergunta ou observação do filho sobre o pai, nos derradeiros diálogos antes da morte, ainda levam Edward a se lembrar das anedotas das quais ele teria participado e protagonizado ao longo de sua vida. William se irrita o tempo todo, pois, de tanto ouvir tantas histórias diferentes, sofre por nunca saber de fato quem havia sido seu pai além daquelas histórias deslavadamente inventadas, mesmo que tivessem realmente acontecido – sim, há um jogo de confusão e realidade digna de mestres contadores de histórias.

Mas acontece que o tão carismático e adorado-por-todos é um Edward que vive e morre como todos os seres humanos. Sua figura é imperfeita, mas escolheu contar ao filho os melhores pedaços de sua história. “Não importa; a história está sempre mudando. Todas as histórias mudam”, escreve o narrador em dado momento do livro. E o que fica é o que sabemos enxergar dela. O final redentor da relação entre pai e filho prova que a vida é grande, maior do que aquilo que escutamos e queremos acreditar. Maior do que nos contam ou do que ouvimos.

Vale dizer que o livro, adaptado para o cinema em 2003 pelo diretor da fantasia, Tim Burtom, teve muitas modificações em seu roteiro, com uma série de elementos e personagens criados para a tela. Dessa forma, o leitor de Peixe Grande tem contato com essa história a partir da inventividade própria do autor Daniel Wallace que, além de escritor é também ilustrador. A única frustração é que a edição do livro não conta com seu trabalho como desenhista, o que poderia contribuir muito com a riqueza deste trabalho. De qualquer maneira, suas palavras são o suficiente para ilustrar a mais árida das imaginações.

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Por Rodrigo Casarin

Anotações-de-um-voyeurO que é literatura? Apesar das inúmeras pesquisas acerca desta simples pergunta, é difícil, se não impossível, acharmos uma resposta decisiva, totalmente convincente. Contudo, algumas possibilidades, ainda que vagas, baseadas em subjetividades (a arte sempre se baseia em subjetividades), parecem já agradar bastante. Em uma simplificação absurda de toda a discussão, não erraríamos se disséssemos que literatura é a arte feita por meio de palavras, palavras que buscam algo mais. Pouco adianta, no entanto; apenas cairíamos em outra discussão. Também não temos uma resposta definitiva para “o que é arte?”. Ainda bem. Caso tivéssemos, talvez a arte deixasse de existir.

Contudo, precisamos de algo para este texto. Então, usando essa premissa simplista de que literatura é a arte feita com o bom manejo das palavras, essa arte pode acontecer de diversas formas e em tamanhos completamente distintos. A meu ver, um livro pode servir de ótimo modelo para os extremos: a totalidade de Anna Kariênina, do magistral russo Liev Tolstói, é sem dúvida uma das maiores obras literárias de todos os tempos. Caso o leitor deseje ler toda a saga, se optar pela edição brasileira traduzida por Rubens Figueiredo e lançada pela Cosac Naify, terá pela frente oitocentas páginas a percorrer. Entretanto, se a obra-prima contribui muito para que Tolstói seja o que é hoje, talvez apenas a primeira frase do tijolo já justificasse todo o trabalho do escritor: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. Forte, taxativa, impositiva, essa primeira frase já condensa em si aquilo que entendemos por literatura. Ou seja, a literatura está nas oitocentas páginas da obra de Tolstoi, e também está apenas em sua primeira frase.

Disso, partimos para outro ponto, um tanto óbvio: uma obra literária de qualidade é composta por frases de qualidade. Para se chegar a um texto que mereça ser chamado de arte, o escritor precisa criar um corpo de frases ao menos aceitáveis, que servem de base para momentos mais brilhantes, raros porém essenciais. São frases que, mesmo isoladas, também podemos considerar literatura. Peguemos a Bíblia, por exemplo, um dos escritos mais importantes de todos os tempos. Ela pode ser lida em sua totalidade e de forma linear, mas não perde o brilho se lermos apenas fragmentos, apenas um versículo. A qualidade está ali, a cada pequeno trecho.

Pílulas literárias

Essa condensação da literatura virou até se não um gênero, um estilo próprio: o miniconto. Um dos meus preferidos é “Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial”, de David Foster Wallace, presente em Breves entrevistas com homens hediondos, cujo longo título faz contraponto à brevidade do texto:

Quando foram apresentados, ele fez uma piada, esperando ser apreciado. Ela riu extremamente forte, esperando ser apreciada. Depois, cada um voltou para casa sozinho em seu carro, olhando direto para frente, com a mesma contração no rosto.

O homem que apresentou os dois não gostava muito de nenhum deles, embora agisse como se gostasse, ansioso como estava para conservar boas relações a todo momento. Nunca se sabe, afinal, não é mesmo não é mesmo não é mesmo.

O legal de tratarmos de obras assim é que podemos colocá-las integralmente em nossos textos sem que comam todos os toques que temos disponíveis. E isso fica ainda mais fácil de ser feito nas condensações da condensação: o microconto, como o famosíssimo “Vende-se: sapatos de bebê, sem uso”, de Ernest Hemingway. Excelência em poucos caracteres.

Indo ainda mais além e já saindo das páginas dos livros, chego à música. Passei a adolescência discutindo se algumas letras poderiam ou não ser consideradas poesia. Ainda que ouvisse falar de versos alexandrinos, escanção, de ABAB ou ABBA, sequer sabia o que era poesia, achava que era algo que precisasse rimar — mas ainda assim discutia. Como os outros também não sabiam o que era poesia, não raro eu vencia o debate. Tempos depois, já com outra cabeça, percebi que havia sim algo de literatura em meio a letras de música. Um exemplo que me chama bastante atenção vem de “Tendo a lua”, escrita por Herbert Vianna. O trecho “O Sol de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu” condensa muitas coisas em pouquíssimas palavras. A figura de Ícaro, sonhadora, utópica, contrasta sobremaneira com a de Galileu, um frio cientista. É o Sol sendo mirado dialeticamente pelo olhar da razão e da emoção.

Falo tudo isso para finalmente chegar ao livro que é o alvo desta resenha: Anotações de um voyeur, do misterioso Krauh Offman. A obra é composta por aproximadamente 180 pílulas literárias, textos em miniatura que não passam de quatro ou cinco pequenas linhas e raramente extrapolam os 140 toques no teclado (caberiam em um tweet). São temas diversos, tratados na maior parte das vezes de maneira bastante precisa e criativa, ainda que um ou outro apenas confabule sobre platitudes.

Anotações de um voyeur não é uma obra para ser lida em uma tacada, na seqüência. É sim um livro para estar sempre à mão, para ser aberto e curtido de maneira aleatória, a postos para um momento de desafogo, para uma prazerosa leitura de cinco segundos. Seu formato acolhedor e o cuidado gráfico inclusive convidam a isso.

Disse muito sobre a condensação da literatura exatamente para justificar a relevância literária desta obra. Não que o livro tenha potencial para se tornar um clássico, longe disso — aliás, aparentemente, sequer é essa a pretensão do autor —, mas ali há bons momentos, em que realmente a palavra é transformada em arte.

Texto publicado originalmente na edição 165 do jornal literário Rascunho.

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Desde Homero e a sua Odisseia, a literatura estabelece uma cumplicidade entre a viagem literária e a real através dos grandes livros sobre destinos exóticos, dos romances de itinerância incessante, das ficções brasileiras expatriadas e do testemunho pessoal de autores exilados ou de dupla nacionalidade cultura. Com base nisso, o Centro Universitário Maria Antonia, ligado à USP, oferece o curso “Ritos e rotas: a literatura de viagem”, ministrado por Paulo Nogueira. 

Programação:

18 de fevereiro – O relato real repleto de informações históricas de autores como Bruce Chatwin, Paul Theroux, V. S. Naipaul e Claudio Magris

19 de fevereiro – O romance de viagem ou a literatura nômade de Vladimir Nabokov e Jack Kerouac

20 de fevereiro – Budapeste e Magnólia, de Chico Buarque e Bernardo Carvalho

21 de fevereiro – Exílio e literatura em autores como Ovídio, Thomas Mann, Victor Hugo e Joseph Brodsky 

Horário: das 16h às 18h 

Preço: R$200,00 (estudante tem 20% de desconto e pessoas da terceira idade, 40%) 

Paulo Nogueira é graduado em jornalismo na ECA-USP. Autor de O amor é um lugar comum (Oficina do Livro, 2011). Correspondente no Brasil do jornal português O Expresso, também colabora com as revistas Época, Bravo! e Piauí.

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Na década de 1980, Reinaldo Moraes fez muito barulho no meio literário com seus dois primeiros livros, Tanto faz, de 1981, e Abacaxi, de 1985. Depois disso, ouve um grande hiato até que o escritor publicasse o seu terceiro romance, Pornopopéia, de 2009, uma das obras mais elogiadas dos últimos anos na literatura nacional. Não que tenha ficado apenas de pernas para o ar ao longo de todo esse tempo, mas o foco da produção estava em contos e literatura infanto-juvenil. Confira abaixo a entrevista que fizemos com o escritor, que deu respostas extremamente sucintas para todas as questões abordadas. Torcemos para que Moraes não economize as palavras e ideias também em seu próximo romance. 

Canto dos livros: Pornopopéia foi um livro muito bem aceito pela crítica e pelo público (ainda que isso não represente grandes vendas, necessariamente). Você esperava que ele tivesse essa recepção?

Reinaldo Moraes: Esperava bomba ou indiferença. Ou ambos.

CL: Passado alguns anos de seu lançamento, já é possível avaliar a importância desta obra dentro da sua trajetória literária?

RM: Prefiro fugir a esse tipo de auto-avaliação. Sento, escrevo o próximo livro, e só.

CL: Suas obras costumam conter muitas cenas de sexo. Na sua opinião, o que é uma boa cena de sexo na literatura? Quais os grandes exemplos que temos? Quem consegue transformar o ato em palavras com maestria?

RM: Belos motes para um belo ensaio. Mas não serei eu a escrevê-lo, velho.

CL: Seus escritos também costumam tratar bastante dos submundos da cidade e das pessoas que por ele transitam. Por que escrever sobre esse universo? Como você se relaciona com ele?

RM: Imagino que as respostas a essas questões estejam lá nas próprias histórias que escrevi. Deveriam estar, pelo menos.

CL: Alguns de seus personagens são bastante machistas (como o Zeca, de Pornopopéia). Já teve problemas por conta disso? Alguma história curiosa?

RM: Eu não tive nenhum problema com isso. As mulheres até me contam que gostaram do jeito desgraçado de ser do Zeca.

CL: Muitos escritores têm uma relação bastante obsessiva com o processo de reescrita, elaborando alguns trechos dezenas de vezes. Como isso se dá com você? O que pensa a esse respeito?

RM: Reescrevo milhões de vezes. Escrever é reescrever, já disse alguém.

CL: Indo mais além, como funciona o seu processo criativo e produtivo? Onde busca inspiração?

RM: Na cabeça. Literatura, como sexo, é uma coisa mental. Da Vinci concordaria comigo, já que a frase original é dele.

CL: Quando deverá ficar pronto o seu livro para a coleção Amores Expressos, da Companhia das Letras? No que a viagem ao México te ajudou na composição da história? O que pode antecipar desta obra?

RM: Lá por 2014. Não gosto de falar sobre o que ainda não escrevi. Estou nos finalmente de outro romance. Também não quero falar dele, por preguiça e superstição.

 CL: Em escritores com tanto tempo de estrada, é comum, com o passar dos anos, notar transformações. Como você percebe o amadurecimento do seu trabalho? Não só a questão estética e temática, mas, fundamentalmente, o que mudou do Reinaldo Moraes autor de Tanto Faz ou Abacaxi para o Reinaldo Moraes atual?

RM: Aí, cumpadre, você é que vai ter que ler a bagaça toda e me dizer.

CL: A sua produção de contos também é relevante. Há alguma preferência da sua parte por escrever conto ou romance? Por quê?

RM: Prefiro romance. Tenho 1,92m. sou um cara comprido que gosta de narrativas compridas.

CL: Você fez a tradução para o português de Mulheres, de Charles Bukowski. Qual a importância de traduzir uma obra do velho safado? Como foi a experiência? Quais as peculiaridades e dificuldades deste trabalho?

RM: Adorei traduzir Mulheres., mas podia ter ficado melhor. Sou um tradutor muito improvisado. Sobre a minha relação com o velho Buk, dá uma olhada nisso aqui.

CL: Certa vez, quando perguntado sobre o que achava sobre a abordagem da literatura contemporânea em gêneros como o regionalismo, você disse que, após Guimarães Rosa, as produções nesse sentido tendem a ficar “meio capengas, quando não ridículas”. Não acha que praticamente tudo, se comparado aos grandes mestres, corre o mesmo risco? O que fazer para lidar com essa questão limitante, que pode impedir novos fenômenos (de qualidade) de surgir por medo de parecerem ridículos quando comparados a quem já fez história?

RM: Caceta, sei lá, bicho.

CL: Você também já afirmou que “tem muita gente escrevendo por aí que eu não conheço e nunca vou conhecer, porque simplesmente não dá tempo de ler nem sequer uma boa amostra da produção brasileira contemporânea”. O que pensa sobre essa produção exorbitante? Como seleciona suas leituras?

RM: Leio o que estiver mais ao alcance da mão. Prefiro beber a ler.

CL: Aproveitando a pergunta anterior, quais os livros que estão na sua fila de espera para leitura?

RM: Todos os livros que me deram nos últimos anos.

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Maravilhar, denunciar, espantar, renovar, chocar, provocar, criar… Tudo isso se espera da arte em suas diversas facetas. Assim, se determinada forma de expressão consegue causar tudo isso e mais, ela pode – e deve – ser considerada arte. É o caso dos Quadrinhos, que, embora correlato à Literatura e ao Cinema, vai fincando seu próprio espaço, com obras que não poderiam encontrar melhor representação se não em HQs. Sendo assim, não há como não ser arte a série Fracasso de Público, do estadunidense Alex Robinson (publicada no Brasil em três volumes pela Gal Editora), que se tornou sucesso de público e de crítica.

Além da ótica recepção de Fracasso de público, seu único trabalho lançado no mercado brasileiro, Robinson também pode se orgulhar de prêmios importantes, como o Eisner e o Gran Prix no Festival de Angôuleme. E é para falar um pouco de sua obra e muito sobre a chamada 9ª Arte que conversamos com ele:

Canto dos Livros: A globalização contribuiu bastante para os Quadrinhos. Hoje, um quadrinista pode colaborar com alguém do outro lado do mundo e ser publicado em línguas que desconhece. Como você experimenta esta nova ordem? Sabe quantos países publicaram suas obras? Recebe propostas de parcerias e colaborações?  

Alex Ross: Acho que até agora meu trabalho foi traduzido para português, espanhol, francês, alemão e polonês (haveria traduções também para o grego e o italiano, mas não sei dizer se chegaram a ser lançadas). Para mim é simplesmente maravilhoso, algo que eu jamais pude esperar quando eu comecei. Eu via meu trabalho – especialmente Fracasso de Público – muito voltado à cultura pop americana para ter capacidade de ressoar em públicos de outras realidades, mas é gratificante saber que funciona num ponto mais em comum. Os tradutores devem ter feito um trabalho espetacular.

Ninguém nunca me procurou para um trabalho colaborativo. Não sei se isso tem a ver com qualidade do que faço ou se as pessoas acreditam que eu não aceitaria, já que todos os meus livros foram projetos solos. Seria curioso fazer um trabalho em parceria, mas é algo que na verdade eu nunca fui atrás.

CL: Ainda sobre a globalização, você tem contato com a produção dos artistas brasileiros, principalmente os quadrinistas?

AR: Infelizmente não. Já que, assim como a maioria dos americanos, eu só sei ler em inglês, meu contato com quadrinhos internacionais é muito limitado.

CL: Como os quadrinhos de fora dos Estados Unidos são vistos no país?   

AR: O mercado americano é dominado pelos super-heróis da Marvel e da DC, então os quadrinhos importados tendem a entrar na categoria “alternativa”. Tem um monte de europeus, como Lewis Trondheim, que são os favoritos da crítica, mas não creio que alcancem o grande mercado. Acho que os leitores dos alternativos são mais receptivos aos trabalhos internacionais e tem algumas editoras que têm construído um nicho ao publicar obras traduzidas.

CL: Dentre as chamadas “obras-primas” dos Quadrinhos, algumas figuram em quase todas as listas: Watchmen, V de Vingança, Maus, Sandman, praticamente toda a obra de Will Eisner, entre outros. Na sua opinião, há alguma obra injustiçada por não figurar (ou por figurar!) nestas listas?

AR: Eu poderia mencionar vários quadrinhos importantes para mim pessoalmente – o trabalho Cerebus, de Dave Sim; MAD, de Sergio Aragones; O quarteto fantástico, de John Byrne – mas eu não os colocaria exatamente como grandiosos. Foram apenas trabalhos que, por alguma razão, tivera um impacto sobre mim. Contrariamente, há vários quadrinhos grandiosos que não funcionam comigo. É tudo muito subjetivo. Me parece que essas listas são mais discutidas por críticos do que os próprios criadores.

CL: Presumimos que a sua lista anterior exerceu influência sobre você e seu trabalho, certo? Quais outras influências moldaram seu estilo?

AR: O primeiro contato que tive com quadrinhos foi nas publicações de jornal de domingo, que eu cortava e colecionava em álbuns. Eu também gostava de coisas como Archie e Mad, voltadas para o público jovem. Quando eu tentava convencer as pessoas a comprar Fracasso de Público, eu falava para elas que era parecido com Archie, mas com palavrão e nudez.

CL: Paulo Ramos, especialista brasileiro em Quadrinhos, publicou uma obra, A Leitura dos Quadrinhos, na qual discorre sobre as diversas possibilidades narrativas, utilizando inúmeros exemplos. No entanto, Fracasso de Público já mostra uma variação impressionante de recursos e possibilidades narrativas, desde balões de diálogo, até o desenho caricatural, para denotar raiva ou êxtase. Isto torna a obra indicada para o estudo teórico dos Quadrinhos e suas possibilidades. O uso desta gama de recursos gráficos na história foi algo natural ou você  adaptou a história para utilizá-los? Você tem conhecimento da utilização de sua obra em salas de aula? Já ministrou cursos ou palestras sobre a criação de quadrinhos? 

AR: Uma vez fui convidado pelo Centro de Estudos de História em Quadrinhos (Center for Cartoon Studies), uma pequena escola especializada em quadrinhos, para conversar com alunos durante uma aula única. Nunca fiz nada, além disso, como professor. Por outro lado, eu acho que seria interessante, já que isso nos força a pensar em outras maneiras de trabalhar, ou em teorias que menosprezamos ou nos seguimos apenas por instinto. Explicar para alguém o porquê fizemos algo de uma maneira particular pode nos trazer um entendimento melhor sobre nossos próprios métodos – o porquê de termos feito daquele jeito. Ao mesmo tempo em que eu realmente gosto dessas conversas e aulas, me falta confiança sobre minhas habilidades para expô-las. E os alunos são como abelhas – eles conseguem farejar o medo. Eu tenho certeza que eu iria desmoronar assim que eu fosse questionado.

CL: Há uma polêmica, aqui no Brasil, sobre a utilização dos quadrinhos na educação e em provas, vestibulares, concursos e afins. Alguns veículos de nossa mídia tentam desacreditar este uso. Como é, aí nos Estados Unidos, esta questão? Vocês prestigiam e utilizam quadrinhos na educação?

AR: O boom dos quadrinhos nos anos 2000 certamente aumentou a reputação dos gibis e graphic novels, então eu sinto que não sejam mais tão polêmicos quanto já foram. Acredito também que a educação superior nos EUA acabou saindo dos clássicos tradicionais e começou a buscar ramificações da cultura pop, então os quadrinhos mais clássicos não parecem tão arriscados assim. Acho que as pessoas nos Estados Unidos estão ficando mais burras, ou menos educadas, então o simples fato de crianças quererem ler alguma coisa já é algo considerado positivo.

CL: Hoje, os Quadrinhos assumem o cunho de jornalismo, de denúncia, de relatos biográficos. Na sua opinião, este processo enraíza os Quadrinhos definitivamente como uma forma de arte? E, se estamos testemunhando a história e a reinvenção desta suposta arte, o que poderíamos projetar para ela no futuro?

AR: É impossível dizer. Diante de toda a reputação que os quadrinhos estejam conquistando, as vendas são péssimas. Por um tempão as pessoas esperavam que a presença de quadrinhos em livrarias ajudaria, e agora todo mundo espera de novo que os quadrinhos digitais vire o jogo. Estou um pouco nervoso com isso, já que com a conversão para o digital torna-se mais fácil não pagar para ler. O digital certamente não contribuiu para indústria musical, mas acho que não há nenhuma direção para ir a não ser seguir adiante. Hoje em dia, a maioria das pessoas fazem quadrinhos porque amam fazer isso, não por estarem ganhando dinheiro.

CL: As Histórias em Quadrinhos parece uma espécie de irmã mais nova da Literatura, mas sem o mesmo prestígio. Para você, os Quadrinhos podem ser encarados também como Literatura? A presença de Quadrinhos em listas respeitadas como as dos “100 Maiores Romances desde 1923”, ou prestigiadas com o prêmio Pulitzer, demonstra uma maior ligação com a Literatura?

AR: Não os vejo tão bem como irmãos. Para mim são como primos ou espécies diferentes, como o macaco-aranha e o gorila. Você pode compará-los em encontrar similaridades, mas as diferenças são grandes o suficiente para que os julguemos a partir de padrões diferentes. Pessoas comparam muito os Quadrinhos com o Cinema, então você pode olhá-los dessa forma: como híbrido profano do Cinema e da Literatura.

CL: A produção artística geralmente traz em si uma satisfação que vai além de qualquer resultado comercial. No seu caso, desenhar páginas e páginas, lapidar diálogos e lay-outs, e todo o trabalho que a arte dos Quadrinhos demanda, traz quais sensações e recompensas?

AR: Ha! Bem, os resultados comerciais realmente não são um fator. Obviamente é legal vender livros, mas pelo trabalho que dá para fazer uma graphic novel, é melhor trabalhar como garçom ou lavando pratos. Pessoalmente, a grande satisfação que isso me dá é concluir uma página muito boa. Isso não acontece com a freqüência que desejamos – talvez a cada cinco páginas – mas acho que isso é o suficiente para nos empolgar. Então, de alguma forma você tem que ser seu próprio público. Uma outra coisa legal é quando eu volto e releio uma piada ou uma frase inteligente e que me fazer rir por eu já ter esquecido que escrevi.

CL: Como é, para quem já alcançou tanto sucesso de público e crítica como você, lidar com a expectativa cada vez maior em cima de um novo trabalho seu? 

AR: Há suas desvantagens, mas é claro que eu queria que fosse diferente. Eu entro num processo em que me convenço de que qualquer que seja o trabalho em que estou, ele será um grande fracasso, que todos irão odiá-lo e que será lembrado como o meu trabalho mais fraco. Parece ser o único jeito para conseguir parar de me pressionar, o que me faz retornar ao modo como era quando eu comecei a desenhar ainda criança – quadrinhos feitos para agradar primeiramente a mim. Você não consegue produzir se está constantemente preocupado, imaginando o que o público e críticos vão achar.

CL: Fracasso de Público foi considerado um “épico do cotidiano”, incluindo personagens comuns, facilmente identificáveis pelos leitores. Apesar de hoje ser uma proposta cada vez mais apreciada – como vemos em Retalhos de Graig Thompson, e Fun Home, de Alison Bechdel – quando você a utilizou, a realidade não era bem essa. Na sua opinião, qual a importância dessa identificação dos leitores com a história que estão lendo? Isso denota um amadurecimento do leitor, que prefere ver situações reais à fantasia, ou é apenas uma questão de segmentação?
AR: Eu realmente não sei. Quando eu comecei o Fracasso de Público, em 1994, me inspirei em quadrinhos autobiográficos como Peep Show, de Joe Matt, e Yummy Fur, de Chester Brown, junto a quadrinhos ficcionais como Unsupervised Existence, de Terry Laban. Minimum Wage, de Bob Fingerman, e Love & Rockets também tinham qualidades similares, então eu não fui um pioneiro desse estilo.

Uma coisa que eu acho interessante é que os quadrinhos que vocês mencionaram são autobiográficos, e até agora todas as graphic novels que se tornaram um grande sucesso são autobiográficas. Acho que as pessoas se sentem menos constrangidas em lê-las, já que essas histórias remetem a uma “questão séria”, ao invés de serem simples histórias ficticias.

CL: Você trabalhou sete anos em uma livraria, nutrindo certa angústia em ser publicado. Quanto de sua própria história há em Fracasso de Público? Você se preocupou em “despessoalizar” as histórias vividas por você para que elas tivessem um contexto universal e gerassem empatia em qualquer leitor? Quais outras referências usou para construir a trama do livro?

AR: De fato, incluí muitos elementos da minha própria vida, desde a livraria até a senhoria. Irving Flavor foi parcialmente inspirado por um professor um tanto amargo que eu tive na escola de artes. Quando você é um escritor jovem, em especial, você tende a usar experiências de sua própria vida, pois você não tem muito mais sobre o quê produzir. Quando você fica mais velho, ganha mais experiências e perspectivas que não precisa mais se apoiar tanto nisso. Ou então você melhora e disfarça isso. Todos os meus livros têm traços autobiográficos, mas eles devem ser elementos que só eu consigo ver (ao menos eu acho).

Parece estranho, mas eu não costumo pensar nos leitores ao trabalhar num livro, pelo menos não no sentido de incluir ou não incluir coisas. Eu penso “Isso está claro? Os leitores vão entender o que estou tentando dizer?”, mas isso é uma extensão do trabalho.

CL: Fracasso de Público fala também sobre a bilionária indústria de adaptações de Quadrinhos para o cinema. Embora não seja novo, este interesse de Hollywood pelos Quadrinhos certamente se intensificou nos últimos anos. O que a indústria de Quadrinhos ganha ou perde nesta relação?

AR: A maioria das adaptações foram de quadrinhos de super-heróis, então não acho que tenham um grande impacto sobre a minha área. Eu acho que a grande decepção da indústria de Quadrinhos é que nenhum dos blockbusters representaram impacto de vendas significativo nos quadrinhos pelos quais se basearam. Isso é provavelmente uma má notícia para eles, já que agora que as pessoas podem ter suas doses de quadrinhos via 3D e som surround, há menos incentivo do que nunca para se ler quadrinhos de super-heróis. Não acho que quadrinhos mais pessoais e sob propriedades de seus criadores serão tão afetados, mas é claro que as lojas que vendem meus quadrinhos fazem a maior parte de seus lucros vendendo livros e revistas de super-heróis. Então, basicamente meu destino está atrelado ao deles. Quadrinhos independentes são como os crustáceos que vivem na barriga da baleia super-herói.

CL: Em entrevista ao Jornal do Brasil, você se declarou um “pessimista por natureza”. Por quê? O quanto acha que um olhar pessimista permite maior entendimento e capacidade de crítica sobre a sociedade contemporânea?

AR: Suponho que isso venha da minha criação. É algo que eu não seria se eu tivesse escolha, já que os otimistas parecem ser mais felizes. Ultimamente tenho tentado reduzir meu contato às coisas que me deprimem, como os noticiários e acontecimentos atuais. Sei que não tenho poder para fazer coisa alguma sobre isso tudo, então parei de dar atenção. Eu tento estreitar meu foco – amigos, família, qualquer coisa que me dê prazer. Vocês podem dizer que isso é fuga, que para mudar o mundo devemos nos envolver e assim por diante, mas eu não tenho energia. A Máquina ganha.

CL: Você se formou em artes, com especialização em desenhos animados, correto? Quão importante – ou fundamental – você julga uma formação de ensino superior para alguém que queira começar a desenhar e escrever, seja Quadrinhos ou Literatura?

AR: Eu sou muito pela educação, mas a escola de artes foi uma tremenda perda de dinheiro. Essencialmente, a faculdade deveria nos expor um monte de idéias diferentes e coisas que não teríamos de outra maneira, mas minha impressão é que a escola de artes foi como ter uma babá dispendiosa. Eu já fazia meus quadrinhos e tentava aprender o máximo que podia sobre história em quadrinhos desde criança, então acho que a escola de artes não fez muita diferença para mim. Dado à situação que economia está e o quão cara é uma faculdade, eu não recomendaria fazer uma escola de artes – faça ou uma especialização em algo que possa te trazer um retorno financeiro (que você pode usar para subsidiar sua carreira artística), ou pule tudo isso e ao menos não comece sua vida adulta endividado. Pule a faculdade, mas não deixe de se educar. Seja um leitor voraz, faça aulas, viagem e de alguma forma amplie seus horizontes porque essas coisas farão sua arte (ou escrita) melhorar.

CL:  Como funciona, na prática, o seu trabalho?

AR: Na maioria dos livros eu escrevi e desenhei uma página de cada vez. Isto é, eu escrevia diálogos o suficiente para preencher uma página, na qual eu então escrevia e desenhava. E então, eu escrevia a segunda página, desenhava, escrevia a terceira página etc… Eu tinha um geral da trama na cabeça, mas eu gostava de mantê-la em aberto para improvisar e deixar que a história crescesse de maneira orgânica.

No novo livro em que estou trabalhando, mudei ligeiramente a maneira de trabalha e escrevi diversas cenas ao longo da história (apesar de estar desenhando todas na ordem). Fiz isso porque estava tendo vários bloqueios de escrita muito ruins por muito tempo, em que eu começava um projeto e perdia o gás ou o abandonava. Eu precisei encontrar algo para trabalhar quando o meu lado escritor não aparecia para trabalhar. Até agora estou satisfeito com esse método.

Ainda há vezes em que eu me sinto como numa luta, mas é bom ter essas cenas que eu já escrevi como um tipo de apólice de seguro para criatividade.

CL: O que pode nos adiantar sobre este novo livro?

AR: Bem, em termos de publicação, o plano é que a Top Shelf o transforme digitalmente em série e o reúna para a impressão quando estiver pronto. Fracasso de Público foi originalmente seriada e eu meio que senti falta de ter algo publicado de maneira convencional. Eu não faço idéia de como ele será recebido; se leitores de produção alternativa compram versões digitais ou não. Por enquanto, estou apenas me focando em trabalhar no livro, tentando não pensar no lado comercial.

Sobre o conteúdo, é um tipo de retorno ao Fracasso de Público, no sentido de que são um monte de amigos conversando, e não uma trama pesada como foram meus dois últimos trabalhos. Assim como Fracasso de Público foi sobre eu descobrindo minha vida aos 20 e poucos anos, este será sobre eu descobrindo a vida nos meus 40. Eu sei que já disse ter me resignado a este livro ser um fracasso, mas estou curioso para ver como isso se dará. Leitores de quadrinhos, ao menos nos Estados Unidos, tendem a estar nos 20 anos ou no começo dos 30, o que foi condizente também com o Fracasso de Público, mas eu não sei se um livro sobre lidar com a meia-idade será tão popular.

Tradução: Fred Linardi

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The Box office poison success – an interview with Alex Robinson

To amaze, to denounce, to frighten, to renovate, to stun, to provoke, to create… All of it is expected from art and in all of its facets. So, if any way of expression is able to cause that and much more, it can be – and must be – considered art. Including the Comics that, although is interrelated to Literature and Cinema, is gaining its own ground, with works that couldn´t find any better space but into the comics strips.

Therefore, there´s no way but to considerate as art the series Box office poison, by the American Alex Ross (released in Brazil in three single volumes by Gal Editora), which has became a public and critics success.

Besides the great reception of this title – Robinson´s only work published in Brazil – he can be proud of himself after some important prizes such as the Eisner and the Agoulême Festival Grand Prix. And in order to chat about his work and a lot about this called the 9th Art that we have talked to him:

Canto dos Livros: Globalization has brought many contributions to the comics. Today, is possible for two or more artists to co-work and to be published in a completely different language. How do you experience this new kind of structure? Do you know how many countries in which your work has been published? Do you use to receive partnership invitations? 

Alex Robinson: I think at this point my work has been translated into Portugese, Spanish, French, German and Polish (there were supposed to be Greek and Italian books as well but I can’t confirm they were ever released). It’s just amazing to me, nothing I ever even imagined when I started off. I would’ve assumed my work–especially Box office poison–was too based in American pop culture to resonate with people in other worlds, but it’s gratifying to know that it works on a more common ground. The translators must’ve done a terrific job!

No one has ever approached me about collaborating, but I’m not sure if that has to do with the quality of my work or people just assume I don’t collaborate, since all of my books have been solo projects. I would be curious to work with someone else but it isn’t something I’ve really looked into.

CL: Still about globalization, do you have contact with Brazilian artists’ production, mainly the comics ones?

AR: Unfortunately, I have not. Since like most Americans I only read English my exposure to foreign comics has been very limited.

CL: How are the foreign comic productions seen in the US?

AR: The American market is dominated by superheroes from Marvel and DC, so foreign comics tend to fall into the “alternative” category. There are a bunch of Europeans like Lewis Trondheim who are critical favorites but I don’t think they reach a big market. I think people who read alternative comics are more receptive to foreign material and there are a few companies that have carved out a niche publishing translations.

CL: Among the called “top” comics, some of them appear in almost all of the lists, like WatchmenVfor VendettaMausSandman, almost every Will Eisner works, and so on. In your opinion, is there any wrongly forgotten (or wrongly reminded) title in or out of these lists? 

AR: I could mention several comics that had an effect on me personally–Dave Sim’s work on Cerebus, Sergio Aragones MAD, John Byrne’s run on Fantastic Four–but I wouldn’t presume to hold them up as objectively great. They were just works that, for whatever reason, had an impact on me. Conversely, there are several “great” comics which didn’t work for me. It’s all subjective. Those kinds of lists seem to be the kind of thing that critics argue about, rather than creators.

CL: We assume that some of these works just mentioned by you have influenced your creation, right? What other influences have shaped your style?

AR: The first comics I was exposed to were the Sunday comics in the newspaper, which I would cut out and paste into albums. I also liked stuff like Archie and MAD, comics aimed at young people. When I was trying to get people to buy Box Office Poison I would say it’s like Archie, but with cursing and nudity.

CL: A Brazilian cartoon specialist, Paulo Ramos, talks about its several narrative possibilities, with lots of examples in his book Leitura em Quadrinhos. Meanwhile, your book Box Office Poison itself already shows up some impressive narrative resources variety, from the speech balloons until the caricature draw. Did it come in a natural way when you were creating the story? Has it come to your knowledge if your books are used in classrooms? And have you ever gave comics creation classes yourself?

AR: The Center for Cartoon Studies, a small school specializing in comics, asked me to talk to a class for a one-time lecture but other than that I’ve never done any teaching. On the one hand, I think it could be interesting, since it forces you to think about ways of working or theories that you might otherwise just take for granted or go by instinct. Having to explain to someone why you did something a particular way can give you a greater understanding of your own methods–why did I do it that way? While I do like talking shop and lecturing people I think I lack the confidence in my own abilities to pull it off. Students are like bees–they can smell fear. I’m sure I would cave in as soon as I was challenged.

CL: There´s a controversy here in Brazil about the use of comics in classroom, tests, entrance exams etc – which is even disapproved by some news media. And what about in US, is that an issue? Do educators appreciate and use them as a teaching tool?

AR: The graphic novel boom of the 2000s definitely raised the respectability of comics and graphic novels, so I feel like it’s not as controversial as it once was. I think higher education in this country has also moved away from traditional classics and has started branching into more pop cultural areas, so high-brow comics don’t seem as risky. I think people in America are getting dumber, or at least less educated, so the fact that kids want to read anything is considered positive.

CL: Nowadays the comics have gained the tone of denunciation, biographies reports etc. In your point of view, does this process solidify the comics as a way of art (at least for those who haven´t seen it like that until then)? If so, what can it be project about the comics future?

AR: It’s impossible to say. For all the respect comics are getting, sales are generally terrible. For a long time people were hoping that getting graphic novels into bookstores would help, and now everyone is praying that digital comics will turn things around. I’m a little nervous about that, since once things go digital it’s very easy to not pay for them. Going digital certainly didn’t help the music industry, but I suppose we have nowhere to go but up. At this point, most of the people doing comics are doing it because they love it, not because they’re making money.

CL: It seems that comics are a Literature discredited young sister. Do you think that comics can be considered as Literature itself? Its presence on respected lists such as the “100 best novels since 1923”, or in respected prizes as Pulitzer, shows a straighter link with Literature?

AR: I don’t think of comics and literature as being siblings so much as cousins, or different species, like a Spider Monkey and a Gorilla. You can compare them and they do have some similarities but the differences are big enough where you can’t judge them by the same standards. People compare comics and movies a lot so maybe you could look at comics in that way, as some unholy hybrid of movies and literature.

CL: About the satisfaction of producing a piece of art, how does it feel after finishing a work with some many drawn pages, dialogs, layouts… What are the biggest rewards, besides the commercial results?

AR: Ha! Well, the commercial results are not really a factor. Obviously it’s nice to sell books but for the amount of work it takes to do a graphic novel you’d be much better off waiting tables or digging ditches. Personally, the most satisfaction I get is completing a very good page. This doesn’t happen as often as you’d like–maybe only once every five pages–but I suppose it’s enough to keep you going. It is satisfying when people tell me they like my work of course, but you can’t count on that and when you’re working on a long book it can be months or even years before people see what you’re working on, so you have to be your own audience in a way.

One other thing that’s nice is when I go back an reread a joke or clever phrase and it makes me laugh, since I forgot I wrote it.

CL: And how does it feel, for an author who has reached the public and critics success, to deal with the increasing expectations over a new work of yours? 

AR: It has its drawbacks but naturally I wouldn’t want it the other way around. I go through a process where I convince myself that whatever I’m working on now will be a huge flop, everyone will hate it and it will be regarded as my weakest work. It seems to be the only way to take the pressure off myself, which let’s me get back to how I first started doing comics as a kid–comics done to entertain myself first and foremost.  You can’t do work constantly looking over your shoulder imagining what an audience or critics will think.

CL: The book Box Office Poison was considered an “every-day epic”, with ordinary characters, easily identified by readers. Although it’s a feature that has became increasingly appreciated – as we can see in Blankets orFun Home – when you first used it, the usual practice wasn´t quite like this. In your opinion, what´s the matter of this identification between reader and story? Does it mean a reader maturity, that now is interested in “real life” stories, or that´s just a matter of editorial segmentation?

AR: I really don’t know. When I started Box Office Poison, way back in 1994, I was inspired by autobiographical comics like Joe Matt’s Peep Show and Chester Brown’s Yummy Fur, along with fictional comics like Terry Laban’s Unsupervised Existence. Love & Rockets and  Bob Fingerman’s Minimum Wage also had similar qualities, so I wasn’t really a pioneer of the form.

One thing I find interesting is that the two comics you mention are autobiographical, and so far virtually all of the graphic novels that have become huge are autobiographical. I think people feel less embarrassed to be reading them, since they address “serious issues” instead of just being made up stories.

CL: You have worked for seven years on a bookstore, with that kind of anxiety to be published. How much of your own experience can we take from Box Office Poison? Have you tried not to put too much of yourself in it, so it could be more universal to the readers? What others references did you use to build up the plot?

AR: I definitely included a lot of elements from my own life, from the bookstore to the crazy landlady. Irving Flavor was partially inspired by a somewhat bitter teacher I had in art school. When you’re a young writer, especially, you tend to bring in experiences from your own life because you don’t have much else to build on. As you get older and gain more experiences and perspective you don’t have to rely on that as much, or you get better at disguising it. All my books have autobiographical aspects, but they might be things that only I can see (or so I think).

It sounds odd but I dont usually think of readers when I’m working on a book, at least not in the sense of including or not including things. I’ll think “Is this clear? Will the readers understand what I’m trying to say?” but that’s about the extent of it.

CL: Box Office Poison talks about the movie comics adaptation billionaire industry. Although it´s not such a news, this Hollywood interest by the comics stories has increased a lot in the past years. What are the comics industry losses and gains in this relationship?

AR: It’s mostly been superhero comics that have been adapted so I don’t think it’s had much of an impact on my side of the marketplace. I think the biggest disappointment for the industry is that none of the blockbuster movies have had any noticeable impact on sales of the comics they’re based on. It’s probably bad news for them, since now that people can get their superhero fix in surroundsound 3D there’s less incentive than ever to actually read superhero comics. I don’t think more personal, creator-owned comics will be as effected, but of course the shops that sell my books mostly make their money from superhero comics, so ultimately my fate is tied in to theirs. Independent comics are like the barnacles on the belly of the superhero whale.

CL: On an interview for Jornal do Brasil, you´ve declared that you are a “natural born pessimist”. Why is that? Do you think that this kind of view allows a better comprehension and a critic view over our society? 

AR: I assume it comes from my upbringing. It’s certainly not anything I would choose if given the option, since optimistic people seem happier. Lately I’ve been trying to limit my exposure to things that get me depressed, like the news and current events. I know I’m powerless to do anything about any of it so I’ve stopped paying attention. I try to take a narrower focus–friends, family, whatever gives me pleasure. You could say this is a cop out, that if we’re going to change the world we should get involved and so on but I don’t have the energy. The Machine wins.

CL: Your graduation is in arts, with cartoon specialization, right? How much important – or crucial – do you see a superior education for someone who wants to illustrate or to write?   

AR: I am for all for education but art school was a tremendous waste of money. Ideally, college would expose you to a lot of different ideas and things you would not otherwise experience, but my feeling is that art school was like having an expensive babysitter. I’d been making my own comics and trying to learn as much about cartooning as I could since I was a child so I don’t think art school made much of a difference for me. Given the way the economy is and how expensive college is I wouldn’t recommend going to college for art–either major in something that can generate some good income (which you can use to subsidize your art career), or skip it altogether and at least not start your adult life in debt. Skip college, but don’t skip getting educated. Be a voracious reader, take classes, travel and otherwise broaden your horizons because that stuff will make your art (or writing) better.

CL: How is you working process?

AR: Most of my books I wrote and drew one page at a time. That is, I would write out enough dialogue and so on to fill a page, which I would then write and draw. Then I would write the second page, draw it, write the third page, etc. I would have an overall plot in my head but I liked to keep it open to improvisation and letting the story grow in an organic way. With the new book I’m working on I’ve changed my methods slightly, in that I’ve written out several scenes throughout the book ahead of time (though I’m still drawing them in order). I did this because I was experiencing very bad writers block for a long time, where I would start a project and then lose steam and abandon it. I had to come up with a way of having something to work on when the writer part of me didn’t show up to work. So far I’m glad I did it. There are still times I feel it’s more of a struggle but it’s nice to have those scenes I already wrote out as a kind of creative insurance policy.

CL: You´re working in a new book, right? What can it be anticipated about it?

AR: Well, in terms of publishing it the plan is for Top Shelf to serialize it digitally and collect it for print when it’s done. Box Office Poison was originally serialized and I kind of missed having something come out on a regular basis, as opposed to years between graphic novels. I have no idea how it will be received, if alternative comics people buy digital comics or not. Right now I’m mostly focusing on just working on the book, trying not to think about the business side of it.

In terms of the content, it’s something of a throwback to Box Office Poison in that it’s a lot of friends sitting around chatting and it’s not as plot heavy as my last two books. As much as Box Office Poison was about me figuring out my life in my 20s, this book is kind of me figuring out life in my 40s. I know I’ve already said I’ve resigned myself to this book being a failure, but I’m curious to see how it fares. Comics readers, at least in America, tend to be people in the 20s and early 30s, which served Box Office Poison well, but I don’t know if a book about dealing with middle age will be as popular.

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Em breve teremos um texto falando sobre o preço do livro no Brasil.

A tirinha foi retirada do blog do grande Adão Iturrusgarai.

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Muito provavelmente o principal nome da Literatura Marginal na atualidade, o paulistano Ferréz tem São Paulo como o seu principal cenário. A cidade também é sua musa inspiradora. Estreou na literatura em 1997 com Fortaleza da Desilusão, mas ganhou projeção com o seu segundo livro, o aclamado Capão Pecado, que o colocou na pauta de conversas e debates literários. Desde então, também publicou Manual prático do ódio, o livro infantil Amanhecer Esmeralda e Ninguém é inocente em São Paulo, de contos. Suas obras já foram traduzidas na Itália, Alemanha, Portugal, Espanha e Estados Unidos. Além da Literatura, Ferréz ainda possui uma marca de roupas (a 1DASUL) e já fez trabalhos para o cinema e a televisão. Mas a sua carreira de escritor, claro, foi o assunto de nossa conversa.

Canto dos Livros: Constantemente você é definido como romancista, contista e poeta. Por qual desses meios você começou a escrever? Como derivou para os demais? Qual deles prefere? Por quê?

Ferréz: Comecei por contos, acho, pois fazia redações imensas, mas depois fui para a poesia. Meu primeiro livro Fortaleza da desilusão é de poesia, foi lançado em 97. Eu me considero romancista, gosto de histórias longas, mas também faço muitos contos.

CL: Na sua opinião, o que é a Literatura Marginal?

F: A literatura que representa até quem nunca vai lê-la, a voz dos sem voz.

CL: Como a literatura ajuda a “salvar” as pessoas da periferia?

F: No dia-a-dia, a literatura deixa você crítico, ajuda nas escolhas, na postura, melhora a estima, mostra como se impor na sociedade, ainda mais numa sociedade de fantoches.

CL: Muitas vezes quem é de algum movimento marginal e começa a fazer sucesso passa a ser visto como um traidor do movimento. Isso aconteceu ou acontece com você?

F: Ainda não, pois faço um trabalho de base forte, palestras em escolas públicas, ONGs, fundação casa, presídios e onde a literatura couber. Não falo para ricos nos eventos. Na verdade faço muitos eventos em comunidades, então quando pinta algo mais elitizado ninguém me enche o saco, pois me vêem em outras paradas.

CL: Como funciona essa espécie de mercado independente que há da Literatura Marginal?

F: Funciona com muita engenhosidade e com muita alegria, apesar do corre que é levar livro em mochila, ir de busão para evento e tal. Mas quando o livro vai para a mão de quem tem que ir, desde um sarau, onde você alcança o público direto, até show, onde o público é feito um a um na hora da saída. Quem tem força para esse trampo recebe muitos sorrisos e o melhor, lida com o seu público.

CL: Por que há tanta diferenciação da Literatura Marginal para a Literatura em si? Se a Literatura Marginal é Literatura ela realmente precisa vir acompanhada de Marginal? Isso não acaba gerando uma espécie de segregação do tipo “Literatura é para e feita por uma parte da população”, enquanto “Literatura Marginal é para e feita por outra parte”?

F: Não acho, essa literatura ai sempre teve outros nomes, mas a periferia nunca foi definida nem inserida nesses nomes, não somos a geração 90, nem os da praça tal, nem contemporâneos. Tem gente que fala que nem literatura somos. Então no meu caso isso serve para dizer que temos uma identidade e somos muitos, mas nome é nome, a forma é mais importante no final, se não tiver qualidade não é nada, então batemos na tecla de saber o que estamos fazendo, ter estilo e tal.

CL: Como você pensa a estrutura e a forma dos seus livros?

F: Primeiro me vem o título, ai faço um mini conto, como se fosse uma escaleta, e depois ele vai engordando, escrevo tão fragmentado que leva mais tempo montando o quebra cabeça que criando, cada papel na rua vira um trecho, um pensamento de personagem, uma ação. Na verdade, até hoje to tentando entender como escrevo, pois é confuso até pra mim.

CL: Qual a sensação de ver os seus livros sendo traduzidos para diversas outras línguas? A que você atribui esse interesse do público do exterior?

F: Acho bom. Pra mim foi vitória, pois diz muito que não importa minha história de vida, o que importa é o texto. Gringo não liga pra isso, liga pra qualidade das histórias, para a viagem que o livro proporciona. Ele não compra de emocionado, ele compra pelo conteúdo, e isso dá satisfação. Mas na verdade, tenho um sonho de alcançar mais meu país, que é muito grande e fica difícil a literatura chegar em vários lugares.

CL: Numa leitura de seus dois primeiros livros, Capão Pecado e Manual Prático do Ódio, é possível verificar uma sensível mudança estilística de um para outro. Arriscamos dizer que o 1º parece ter sido escrito sem grandes pretensões, para um público específico, enquanto no 2º, até catapultado pelo sucesso estrondoso do antecessor, tudo parece adquirir maior escala e maior esmero. O que acha disso?

F: Foi cobrança em cima de cobrança, então eu tinha que fazer algo mais trabalhado, até porque agora eu tinha leitores, coisa que antes não, e críticas também. Através dessas criticas eu procurei melhorar o trabalho, coisa que estou fazendo nesse novo romance, o terceiro que vou publicar, depois do Capão e do Manual ficou um buraco, que é esse livro novo que estou terminando.

CL: Há pouco tempo, aconteceu uma polêmica envolvendo Capão Pecado, do qual extraíram excertos para uso em sala de aula, e que foram criticados pelo conteúdo erótico. Como você reagiu a isso?

F: Na verdade eu não ligo, mas cada um pensa o que quer. Um país que mata criança por falta de hospital, que mata idoso por falta de acesso a remédio, vem com hipocrisia por palavrão. Um país que obriga os travestis a se prostituírem, pois não dá entrada no mercado de trabalho, vem criticar cena de sexo? Hipocrisia.

CL: Na esteira da pergunta anterior, você se sente amarrado a escrever livros e textos presos ao estilo e temática de Capão Pecado?

F: Não. Quem ler o Ninguém é inocente em São Paulo já vê alguns contos de ficção total, e fora do tema de periferia. Esse livro novo não tem nada de periferia, o tema eu já moro nele, não preciso carregá-lo.

CL: Usar uma variante liguística diferente da que é usada normalmente na literatura convencional já te trouxe algum problema? Como sua escrita é vista por acadêmicos e catedráticos? Ainda que eles não sejam seu público alvo, alguma vez isso te preocupou?

F: Trouxe vários, discussões com editores, que dizem que sou teimoso, que a linguagem que trago é difícil, mas pra quem é daqui não é difícil, então eu bato na tecla. Os estudiosos não me preocupam, eu respeito que eles estudem isso e tal, mas meu trabalho é escrever e não debater o que escrevo. Isso nunca me preocupou. A rua me preocupa.

CL: Você chegou a ser apelidado de “o romancista da traição”. Por quê? Como recebeu o apelido, acha que procede?

F: Recebi em várias palestras em faculdades, de professores de literatura. Segundo eles o tema traição é recorrente nas minhas obras, parei para pensar e comecei a notar que é verdade, desde letra de rap, como a Judas, que escrevi até o Capão, Manual, Ninguém, tudo tem traição. E no novo, por incrível que pareça, também, mas quem trai nesse novo é o tempo.

CL: Quais autores e obras você acha fundamentais para uma boa formação cultural?

F: Vixi, vou dizer o que serviu pra mim: Hermann Hesse, Bukowski, Fante, Tchekhov, Flaubert, João Antônio e Plínio Marcos.

CL: O que você acha da literatura feita no Brasil hoje? E no mundo? O que você destacaria como muito bom e como muito ruim?

F: É deselegante falar assim, quem é ruim ou bom, pois cada um tem um ponto de vista, e o que é ruim pra mim pode ser o início de leitura para alguém, mas não gosto dessa literatura metida à moderna, que você não consegue nem assistir a entrevista do cara de tão chata, pois o autor diz que sua obra é isso, que sua obra é aquilo e depois vai ler o texto e é ruim demais. Tem uns caras novos que tão escrevendo que parece tudo novela da Globo, só muda que fica mais floreado. Mas tem muita coisa boa, estou lendo muitos autores de Minas Gerais, inclusive mulheres, como a Cidinha da Silva, e estou apaixonado pelo estilo e verdade deles.

CL: Quando sai o seu próximo livro? O que podemos esperar dele?

F: Sai esse ano, chama-se Deus foi almoçar, um romance que escrevo há sete anos. É um romance psicológico, de um personagem de meia idade chamado Calixto, que enfrenta uma separação traumática e uma vida totalmente programada. E ele tenta sair disso.

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Hoje começa a Flip, a famosa Festa Literária Internacional de Paraty e, obviamente, eu adoraria estar lá. Gostaria de ver, principalmente, as mesas do Miguel Nicolelis e Luiz Felipe Pondé, Pola Oloixarac e valter hugo mãe (que prefere ter seu nome gravado todo em letras minúsculas mesmo) e Joe Sacco. Contudo, infelizmente, minha presença em Paraty, que já estava programada e quase toda acertada, teve que ser cancelada.

Amo literatura, mas odeio ter o meu dinheiro extorquido. E é isso que fazem com o público que frequenta a Flip: extorsão. Começa pelas hospedagens na cidade. O albergue mais barato que achei cobrava R$60 por dia em um quarto coletivo para mais sete pessoas, sendo que, para outras datas, uma vaga do mesmo tipo não sai por mais de R$30. Ora, o que os albergues e hotéis passam a ter durante a Festa que justifique cobrar 100% (pelo menos) a mais nos serviços que oferecem? Isso é um grande oportunismo, isso sim. Pior ainda, a maior parte deles oferece hospedagem apenas para quem realizar reserva para os cinco dias do evento, ou seja, se você chegar na quinta e for embora no sábado (três dias) tem que pagar os cinco de qualquer maneira. E imagino que essa superinflação momentânea acabe atingindo toda (ou boa parte) da cadeia turística da cidade.

Contudo, o pior não está na hospedagem, mas na venda dos ingressos. Para assistir a uma mesa pessoalmente, R$40; para assistir de um telão, R$10. Para piorar, na compra do ingresso você é obrigado a pagar mais 20% de taxa de conveniência para a empresa responsável pela comercialização dos bilhetes e mais R$8 em cima de cada ingresso para poder retirá-lo nas bilheterias. Ou seja, o que era R$40 passa a custar R$56; o que era R$10, tem o preço real de R$20. Quem for assistir tudo pessoalmente vai ter que desembolsar R$1120; pelo telão, R$400.

E quem pode pagar R$40 (que na verdade é R$56) para assistir a uma palestra/ debate/ entrevista? Apenas quem tem dinheiro, claro, o que torna o evento automaticamente elitista. E aí pode haver o argumento de que há a opção do telão. Claro que há, mas ela também está longe de ser barata, ainda mais sabendo que todas as mesas serão transmitidas ao vivo pela Internet, de graça (e essa é uma iniciativa ótima. Nesse ponto, parabéns organização da Festa!).

Penso que um evento como a Flip deveria se preocupar em possibilitar que a literatura realmente esteja ao alcance do brasileiro comum, não apenas dos mais endinheirados. Sei que a realização da Festa custa bastante dinheiro, contudo, não faltam empresas dispostas a associar suas marcas a um acontecimento literário desse porte. Então, que façam com que elas paguem a conta, para que todas as camadas da população possam ter acesso a ele.

A Literatura não combina com elitização, e espero que não façam do maior evento literário do país algo destinado apenas aos mais abonados. Contudo, infelizmente, os primeiros passos para que isso aconteça já foram dados.

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Dois dos principais eventos dos meios literário e cervejeiro acontecem essa semana. Paraty receberá entre os dias 6 e 10 uma enxurrada de leitores e escritores para a Flip, enquanto São Paulo recepcionará hordas de beberrões (e não me venham com essa história de “bebo menos, pois bebo melhor”, por favor) para a 11ª edição da Brasil Brau, que acontece do dia 5 ao 7 no Transamérica Expo Center.

A Festa Literária Internacional de Paraty já é o principal evento do setor no Brasil, já que as Bienais passaram a ter um perfil muito mais voltado para a venda de livros do que para a divulgação e, principalmente, discussão da Literatura. Apesar da imprensa estar, como sempre, fazendo muito alarde para os nomes estrangeiros que estarão na cidade carioca, como James Ellroy e Joe Sacco, acredito que a discussão entre o cientista Miguel Nicolelis e o filosofo Luis Felipe Pondé tem tudo para ser o ápice da festa.

Já no evento cervejeiro, direcionado principalmente à tecnologia empregada no processo de fabricação da bebida, atenção total voltada para o espaço Degusta Beer, no qual os visitantes poderão experimentar por 3 reais pequenas (pequeníssimas, aliás, de 50ml ou 100ml) amostras de rótulos que ainda serão lançados no mercado. Dentre as cervejas que estarão sendo servidas, provavelmente a que está sendo mais comentada e aguardada pelos apreciadores da nobre bebida é a Vivre pour Vivre, da mineira Falke Bier, uma Lambic que leva jabuticaba em sua receita. Outra que está gerando bastante curiosidade é a Grão-Pará, da Colorado, uma American Brown Ale com castanha-do-pará em sua composição.

E os apaixonas por livros e cervejas e, principalmente, os fanáticos pelos dois, que se preparem para uma ótima semana.

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